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JORNALISMO E DEMAGOGIA BARATA

O pior mal que pode acometer o jornalismo que está acima da linha que separa a seriedade do vandalismo é a demagogia, que não se exercita sem uma dose cavalar de ignorância. Alguém poderia objetar: “Espere aí, Reinaldo, há coisa ainda pior: a pena de aluguel; os anões e mãos-peludas que vivem ou da papa […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 18h25 - Publicado em 16 dez 2008, 06h35
O pior mal que pode acometer o jornalismo que está acima da linha que separa a seriedade do vandalismo é a demagogia, que não se exercita sem uma dose cavalar de ignorância. Alguém poderia objetar: “Espere aí, Reinaldo, há coisa ainda pior: a pena de aluguel; os anões e mãos-peludas que vivem ou da papa fina das estatais ou de financiadores secretos, quando não das duas coisas”. Respondo que isso já não é mais jornalismo, mas formação de quadrilha. É gente que está aí vendendo seus textos rotos há décadas. Quando não consegue fazer um contrato para “prestação de serviços”, então opta pela tentativa de achaque. Não são mais jornalistas, mas bandidos. Ponto. Agora volto ao ponto.

Digo que a demagogia é o pior mal que pode acometer os jornalistas de empresas que têm compromisso com a informação. À diferença dos bandidos, os contaminados por este mal não dizem asneiras para ganhar dinheiro; não os movem a cupidez e a compulsão por bater carteira. Além da já aludida ignorância, costuma acontecer o que eu chamaria de “auto-investidura”: o profissional se esquece de que seu compromisso é com os fatos, com a verdade, e PASSA A FALAR COMO REPRESENTANTE DO POVO. Em vez de contribuir para iluminar as várias faces de questões complexas, PEDE LICENÇA PARA FALAR EM NOME DAS PESSOAS COMUNS, APRESENTANDO AS SUAS SOLUÇÕES SIMPLES E ERRADAS PARA PROBLEMAS COMPLEXOS – para repetir o que já é um clichê.

Trata-se de uma FRAUDE PROFISSIONAL, INTELECTUAL E MORAL. É uma fraude profissional porque o jornalista só ocupa uma posição privilegiada num grande veículo POR NÃO SER ALGUÉM do povo — ou bastaria que se saísse à rua e se propusesse ao primeiro passante: “A gente vai entrevistar o presidente do STF. Topa participar?” É uma fraude intelectual porque ou o jornalista dispõe de mais informações do que o homem comum, e suas questões são, portanto, pautadas por esses dados, ou tem de abrir mão de seu posto. E é uma fraude moral porque o jornalista em questão passa a vocalizar NÃO A VOZ DO CONHECIMENTO MÉDIO, MAS A VOZ DA IGNORÂNCIA MÉDIA, abstendo-se, em tese ao menos, de dizer o que pensa. Trata-se, em suma, de uma COVARDIA. Se falar asneiras, dirá que o fez porque estava ampliando uma voz que não é a sua, mas a de um certo coletivo. NÃO, QUERIDOS! EU NÃO FUI ELEITO POR NINGUÉM. QUANDO FALO, FAÇO-O APENAS EM MEU PRÓPRIO NOME. O POVO NÃO TEM NADA COM ISSO. NÃO VOCALIZO A VOZ DO HOMEM COMUM PELA SIMPLES E ÓBVIA RAZÃO DE QUE SEI QUE NÃO SOU “O” HOMEM COMUM. ATÉ PORQUE ELE NÃO EXISTE. É outra ficção da demagogia.

Trata-se de pura delinqüência intelectual e boçalidade reivindicar a condição de PESSOA COMUM para cobrar, por exemplo, de um ministro do Supremo Tribunal Federal a razão de bandidos pés-de-chinelo ou de uma pichadora estarem presos, enquanto Daniel Dantas está solto. E daí? O que isso significa? Evidência das iniqüidades brasileiras? Prova de uma justiça corrompida? O noves-fora de que, no Brasil, só vão para a cadeia preto, pobre e puta? Pra começo de conversa, a maioria dos presos dos presídios paulistas, por exemplo, é branca, e faz tempo que puta não puxa mais cana — não em razão do seu oficio. E há mais pobres presos, claro, porque a maioria dos brasileiros, infelizmente, é… pobre! Mas entrar no mérito da bobagem seria lhe conferir alguma legitimidade ou, ao menos, verossimilhança. O bom debate, caso se queira fazê-lo de modo informado, é outro.

Pobre ou rico, branco ou preto, banqueiro ou pichador, as pessoas estão presas ou soltas segundo a observância das leis do país? Se a resposta for positiva, e permanecendo eventuais injustiças, o suposto homem comum poderia bradar, como personagens de Gil Vicente: “NINGUÉM quer justiça, e TODO MUNDO é injusto”. Mas o jornalista — que não é o frentista, o motorista de táxi, o açougueiro da esquina — e a jornalista, que não é a Maricotinha fazendo a feira ou as unhas (não deveria ser ao menos), têm a obrigação de indagar, então, sobre os caminhos institucionais a serem perseguidos (ou que estão sendo trilhados) para fazer com que a justiça seja igualmente distribuída. Em vez do brado bucéfalo de suposto inconformismo, que nada mais é do que aceno para a torcida de tontos-maCUTs, TÊM O DEVER PROFISSIONAL DE PENSAR (E INDAGAR SOBRE) ALTERNATIVAS DE NATUREZA INSTITUCIONAL.

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Ainda que Daniel Dantas estivesse solto contra as leis do país — e isso é falso, independentemente do que eu pense dele —, o rapaz que roubou um cordão de ouro ou a moça que pichou o espaço da Bienal do Absurdo estão presos apenas por capricho da Polícia e/ou da Justiça? Que eu sabia, cometeram crimes. Ainda que a burritsia demagógica que contamina o jornalismo se espante, há implicações legais específicas quando alguém é preso em flagrante. Ademais, os que tentam fazer arranca-rabo de classes com esses casos querem o quê? Prender Dantas? Soltar a pichadora? Qual é a tese? Ou se prende o banqueiro ou se abram as portas de todas as cadeias? A situação chega a tal ridículo, que Juca Ferreira, ministro da Cultura, apelou ao governador José Serra para libertar a pichadora. O que Serra tem com isso? Virou juiz? O AI-5 ainda está aí? A “otoridade” agora mandar prender e soltar como mero ato de vontade?

Pois é… Vagabundo não me intimida nem me pauta. Como não tenho de provar nada a ninguém, já que a minha relação (e a de Dona Reinalda) com a política se esgota em ESCREVER SOBRE POLÍTICA, não preciso pagar tributo a patrulhas e petralhas. Não vou ficar babando glossolalia legal, EM NOME DO POVO, para demonstrar que estou do lado daqueles que querem justiça — como se fosse cabível a um jornalista pedir outra coisa. Como bem sabem a Receita Federal, a Polícia Federal e Sei-Lá-Mais-O-Quê Federal, a política e seus derivados, como as campanhas eleitorais, por exemplo, não me deram ou à minha família fortuna e influência — e, pois, não preciso me vestir de Torquemada do povo para evidenciar a minha isenção. OU EU NÃO SERIA ISENTO.

Num estado democrático e de direito, as prisões têm de ser feitas de acordo com a lei — ou que se mudem as leis, segundo o ritual que esse próprio estado prescreve, se elas se mostram ineficientes. Quem, vocalizando suposta vontade popular, se alinha com o voluntarismo e o paladinismo de juízes, promotores e delegados está só flertando com ilegalidades e obscurantismos. Não contem comigo. Até porque os inimigos do estado democrático e de direito são também meus inimigos.

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