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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Elio Gaspari decidiu escrever sobre uma fantasia. Pois eu lhe ofereço a realidade. Ou: Agressivo é tentar calar a voz da divergência. Aqui não vai!

Escrevi ontem um post sobre um texto de Elio Gaspari, publicado na Folha e no Globo, em que, recorrendo à ironia, o autor imagina um Brasil de 2015 governado pelo senador Demóstenes Torres. Em sua prefiguração — a não ser cumprida porque os fatos do presente, obviamente, a inviabilizam —, Demóstenes é a encarnação de uma […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 09h09 - Publicado em 9 abr 2012, 07h51

Escrevi ontem um post sobre um texto de Elio Gaspari, publicado na Folha e no Globo, em que, recorrendo à ironia, o autor imagina um Brasil de 2015 governado pelo senador Demóstenes Torres. Em sua prefiguração — a não ser cumprida porque os fatos do presente, obviamente, a inviabilizam —, Demóstenes é a encarnação de uma suposta “agenda da direita”. Gaspari faz, então, uma caricatura de algumas críticas fundamentadas, sim, que poderiam e podem ser feitas aos governos petistas. O leitor deve entender que elas todas têm um vício de origem: estariam comprometidas pelo conservadorismo, que teria sido desmascarado. Logo, e a conclusão é inescapável, qualquer resistência ao petismo que nasça no campo conservador é, necessariamente, desonesta. Porque, no fundo, desonesto seria o próprio conservadorismo.

Eis os amantes da democracia que estão se criando no Brasil: aceita-se, sim, a divergência como apanágio do regime democrático, desde, é claro!, que sejam divergências de um lado só. Apenas os ditos “progressistas” teriam legitimidade para contestar… “progressistas”.

Aí está a essência do pensamento totalitário — de qualquer totalitarismo, seja de esquerda, seja de direita. Tanto o socialismo como os vários fascismos, no século passado, submeteram o direito de dissentir ao crivo judicioso das intenções. Num caso, era preciso verificar se o pensamento desviante não feria princípios do partido; no outro, se não transgredia regras do estado. Aferida a boa intenção do crítico, então ele poderia ser admitido no mundo dos vivos. No caso do stalinismo, também o passado era uma realidade criativa e móvel. Estrelas do regime, depois de anos, poderiam ter seu passado recontado à luz das necessidades — e da loucura — do chefe. Poderosos caíam em desgraça da noite para o dia. Notórios colaboradores de Stálin, que o ajudaram a eliminar os “inimigos” nos Processos de Moscou, foram executados mais tarde.

Não pensem que essa é uma realidade muito estranha ao nosso tempo. A China, a segunda economia do mundo, acaba de tirar de circulação — literalmente — Bo Xilai, ex-chefe do Partido Comunista de Chongqing. Era um dos candidatos mais fortes a integrar o “grupo dos nove” que, de fato, governa o país: o Comitê Permanente do Politiburo. A máquina de propaganda chinesa trabalhou bem. Há tempos ele vinha sendo caracterizado como excessivamente populista, com traços de regressão maoista. Estaria mesmo disposto a incentivar uma nova “Revolução Cultural” no país, numa sugestão de que era uma liderança mais hostil ao Ocidente.

A China é uma tirania.  Ninguém jamais  saberá se Bo Xilai era aquilo mesmo. Se não morrer, vai passar alguns anos na cadeia. Talvez algum dia saia de lá e seja reabilitado, como aconteceu com Deng Xiaoping. De todo modo, esse é um assunto que diz respeito ao grupo dirigente, àqueles que exercem divergências de um lado só — até certo ponto, como se nota. Inexistem oposição vigilante, crítica, debate, confronto de ideias. Há, sem dúvida, pessoas sonhando com uma “modelo chinês” no Brasil, certamente adaptado aos trópicos. Elio Gaspari poderia ser o seu teórico.

Acuse o adversário de agressivo e não debata
Sim, contestei o texto de Gaspari ponto por ponto. Algumas reações, que vêm numa corrente, chegam a ser engraçadas. Acusam-me, por exemplo, de ser “agressivo”. É só uma forma de pular fora do debate, de fugir, de sair correndo. Não há uma só agressão a Gaspari, nada. O gracejo “Aiatoelio”, como o chamo, é só uma alusão à sua vocação oracular. É dado a escrever como quem, assentado no promontório do mundo, olhasse a realidade mesquinha dos homens, livre de paixões, evocando, então, leis imemoriais da boa conduta. Escolhas comprometidas seriam sempre as alheias; as suas nunca! Pois é… O apelido também deriva — e isto não é necessariamente responsabilidade sua — de certo comportamento reverencial que lhe devota boa parte do colunismo político, como se ele fosse descendente direto do Profeta. E ele não é. No caso em questão, o seu texto nada mais faz do que estimular, incitando mesmo, a intolerância. Reclamam ainda que lembrei a sua antiga simpatia pelo regime militar. Fazer o quê? É verdade! Apenas isso.

Não! Não fui agressivo, não! Na verdade, raramente o sou. Essa acusação integra parte da mitologia da rede, geralmente evocada por covardes. Vejam o caso de José Eduardo Dutra, o petista diretor da Petrobras que recomendou à oposição o famoso “enfia o dedo e rasga”. Eu o critiquei duramente aqui. Ao reagir, ele me chamou de “blogueiro especialista em baixarias”. Basta cotejar a sua fala com a minha para verificar onde está a baixaria. Mas volto.

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Retomando o caso Gaspari
O colunista da Folha e do Globo resolveu construir, então, uma distopia, e o país que estaria sendo governado por aquele hipotético Demóstenes estaria caminhando, entende-se, para o autoritarismo. Pois é… Ocorre, meus queridos, que Aiatoelio não precisa fantasiar para colher sinais de que há algo errado com a democracia que está aí. Ele não precisa lucubrar sobre o que não virá quando o que já veio lhe fornece elementos de sobra para questionar a qualidade das nossas instituições e da nossa cultura democrática. Vamos ver?

Pensem que futuro teria um país que, para realizar um torneio internacional de futebol, criasse uma legislação especial, paralela, para contratar obras que torram alguns bilhões de dinheiro público. Pensem com seria vexatório que esse país tivesse de criar leis ad hoc até para regular o álcool nos estádios. Pois esse país existe; é de verdade. E não é uma criação “da direita” — não, ao menos, do que Gaspari chama “direita”.

Pensem que futuro teria um país em que o presidente da República arbitrasse pessoalmente, contra a lei, a venda de uma operadora de telefonia à outra, mandando liberar recursos de um banco público de fomento. Efetivado o negócio, esse presidente, então, determinaria a adaptação da lei à transação feita. A empresa compradora seria a mesma que teria feito do filho desse presidente, um ex-monitor de jardim zoológico, um próspero empresário. Pois esse país existe; é de verdade. E não é uma criação “da direita” — não, ao menos, do que Gaspari chama “direita”.

Pensem que futuro teria um país em que criminosos confessassem que a campanha eleitoral do presidente da República foi financiada com dinheiro ilegal e paga, em dólares, no exterior, numa conta secreta. Descobrir-se-ia, depois, que essa operação seria parte da mais formidável tramoia política do período republicano. Nesse país, o chefe da quadrilha continuaria muito influente, mandando e desmandando na República, e alguns dos vigaristas que se envolveram na sujeira estariam eleitos. Um deles conseguiria até presidir o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Pois esse país existe; é de verdade. E não é uma criação “da direita” — não, ao menos, do que Gaspari chama “direita”.

Pensem que futuro teria um país em que a “presidenta” da República se vê obrigada a demitir seis ministros sob suspeita de corrupção em cinco meses — nomes que ela própria teria escolhido. Agora pensem num pais em que a evidência, pois, de desmandos se tornasse um ativo da governanta, uma prova de que ela realmente não condescende com o “malfeito” — um eufemismo arranjado por vigaristas para nomear a corrupção. Pois esse país existe; é de verdade. E não é uma criação “da direita” — não, ao menos, do que Gaspari chama “direita”.

Pensem, numa outra esfera, esta mais simbólica, que futuro teria um país em que a mãe de um presidente da República se tornasse nome de um parque público apenas porque… mãe do presidente. Esta teria sido a sua grande glória e seu grande feito para a humanidade: dar à luz o líder. Nesse país, como ridicularia pouca seria bobagem, também a sogra do Grande Líder seria nome de prédio público, batizando uma escola. Pois esse país existe; é de verdade. E não é uma criação “da direita” — não, ao menos, do que Gaspari chama “direita”.

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Caminhando para o encerramento
Vocês sabem que daria para passar a noite escrevendo a respeito desse país. Fosse Elio Gaspari só um bobalhão, um sem-leitura, uma dessas tristes figuras que hoje escrevem sobre política sem jamais ter lido nem sequer uma obra de referência, vá lá… Puxam o saco por necessidade, ainda que não fosse por gosto. Mas ele não é! Sabe muito bem o que está escrevendo. Não acuso a sua ignorância, mas o seu cinismo; não aponto o seu desconhecimento da realidade, mas justamente o contrário!

Não! O Brasil não tem conservadores demais, não! Tem é conservadores de menos. Precisamos é de mais gente para vigiar o poder, não de menos. Não havia nada de errado com os valores que Demóstenes Torres traiu ao operar junto com Carlinhos Cachoeira — e não só o senador, é bom que fique claro. O bicheiro, definitivamente, é tão ecumênico quanto a corrupção.

Eis aí. Tanto essa como a outra são refutações educadas a uma baixaria — a dele, sim! — de Elio Gaspari. Tentou fazer de milhões de pessoas que acreditam nos fundamentos de que ele faz blague copartícipes de lambanças. E elas não são, não! Já disse e repito: os eleitores de Demóstenes vão abandona-lo porque acreditam nos valores que ele vocalizava. E os eleitores de José Dirceu estão doidos para votar nele porque também acreditam nos valores que ele encarna. Entenderam a diferença?

Baixaria é tentar reduzir ao banditismo pensamentos, convicções e crenças de gente decente, que vive uma vida honesta, que não aceita o cabresto, enquanto se faz silêncio sobre a obra de notórios… bandidos! Baixaria é tentar cassar a voz e a vontade de quem diverge.

Aqui não vai.

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