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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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DEBATENDO COM ROSELI

Começo a escrever este texto às 2h24 do dia 15. Vou comentar um outro, publicado no Estadão On Line à 0h34 do dia 14, no ar, portanto, há 26 horas. Até agora, está lá, “zero comentário”. Ninguém quis saber. Às vezes, eu me ocupo de coisas com as quais, inicialmente, ninguém se importa. É uma […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 18h25 - Publicado em 15 dez 2008, 06h59
Começo a escrever este texto às 2h24 do dia 15. Vou comentar um outro, publicado no Estadão On Line à 0h34 do dia 14, no ar, portanto, há 26 horas. Até agora, está lá, “zero comentário”. Ninguém quis saber. Às vezes, eu me ocupo de coisas com as quais, inicialmente, ninguém se importa. É uma das vantagens de se ter um blog. Refiro-me a uma entrevista concedida a Mônica Manir por Roseli Fischmann, que, informa o texto, “coordena a área de Filosofia e Educação da pós em Educação da USP e comanda o grupo de pesquisa do CNPq ‘Discriminação, Preconceito, Estigma’”. A professora redigiu ainda “o conteúdo do tema transversal Pluralidade Cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais”. Como se vê, discriminação não é com ela. Que bom! Não é a primeira vez que me refiro a Roseli neste blog (ver na parte final do texto) e a seu currículo para 400 talheres, o que faz dela, sem dúvida, uma autoridade dessas que alguns se negam a questionar porque impressionados com os paramentos. Mas, vocês sabem, sou um blogueiro um pouco atrevido, um tanto herético mesmo…

Roseli comenta no referido texto (íntegra aqui), também publicado no caderno Aliás do Estadão deste domingo, aquela história do suposto ensino do criacionismo nas escolas religiosas. Escrevo “suposto” porque não é fato que elas estejam ignorando a Teoria da Evolução, substituindo-a pelo Criacionismo ou pelo Design Inteligente. Segundo apurei, ensinam o darwinismo, expõem os seus princípios, informam que ele é quase unanimemente aceito pelo mundo científico, mas lembram que a confissão religiosa à qual pertencem as instituições de ensino tem sobre a origem das espécies uma outra abordagem. E que se note ainda: as escolas católicas nem mesmo problematizam a questão.

O título da reportagem é definitivo: “Deus não freqüenta laboratório”. Sejamos precisos: Roseli não diz isso com todos os esses e erres. É uma escolha da edição, mas adequada a suas declarações. Uma escolha que até Gilles Deleuze — parece que ela é especialista no “filósofo” — diria não ser neutra, não é? Havendo um Deus e se ele é onipresente, então ele freqüenta o laboratório também. Se Roseli chegou a entender Deleuze (então é ela???), não teria dificuldade de ler Santo Tomás de Aquino, que escrevia com clareza. Veja só, Roseli: tudo o que existe num laboratório tem uma causa e é, portanto, coisa causada (e será causa de outras causas…). Se nos voltarmos às causas das coisas causadas (aquelas traquitanas do laboratório, por exemplo), veremos que elas também coisas causadas são. Até um ponto em que tchan, tchan, tchan… chegaremos à Causa Não-Causada, mas que acabou resultando no laboratório, na pedra, em você, em mim e no Chicabom. E, pois, “A” Causa Não-Causada é causa de todas as causas. Ufa! Eu sei. Nem todo mundo se vê tentado a rir, mas isso chega a ser, garanto, um tanto engraçado. E QUE SE NOTE: EU NÃO ACHO QUE PROFESSORES DEVAM LER A BÍBLIA NUM LABORATÓRIO. Eu estou me ocupando aqui é de uma maneira de abordar o debate: a religião é tratada apenas como manifestação da estupidez. Com o devido respeito (sempre!), a minidesconstrução que faço acima, um tanto galhofeira, é verdade, demonstra que não estamos lidando com um pensamento exatamente refinado. NOTEM: NÃO ESTOU AFIRMANDO A EXISTÊNCIA DE DEUS, NÃO NESTE TEXTO AO MENOS. ESTOU EVIDENCIANDO COMO A NEGAÇÃO DA PERSPECTIVA RELIGIOSA PODE SER CHULA. SÓ ISSO. Quem disse que a afirmação da ciência sempre produz luz, e a da religião, sempre obscurantismo?

Roseli diz lá um monte de coisas, que contestaria com prazer. Mas estou sereno nesta madrugada, apesar do frio em São Paulo (uns 18 graus, acho, em pleno 15 de dezembro; o aquecimento global passou na janela — ciência, eu sei!!! —, e só o Reinaldão não sentiu…). Caroável, ficarei com as nossas concordâncias. Diz ela QUASE o que andei escrevendo aqui dias seguidos, para escândalo de alguns. Querem ler?: “A legislação no Brasil ampara a abertura e o funcionamento de escolas com identidade religiosa definida, e não acho isso ruim. Vivemos uma pluralidade no Brasil. Ruim seria imaginar todo mundo obrigado à religião ou todo mundo obrigado à não-religião. É um direito de escolha dos pais matricular os filhos em colégios batistas, presbiterianos, católicos, judaicos, islâmicos. Só que isso significa uma coisa: que valores serão passados. Não há propaganda enganosa nesse sentido. E os colégios não passarão valores só por meio das aulas, até porque, na escola confessional, a parte verbal não é a principal forma de transmitir os princípios religiosos. Existem as normas, a convivência, os uniformes, a escolha dos professores, os símbolos pelas paredes. Como aquilo é um espaço privado, seria incoerente lutar contra esses símbolos ou contra uma reza antes da aula, por exemplo. Se os pais não querem aquilo, devem procurar outra instituição. O que não pode ser feito é que, em nome da escolha dos pais, a escola extravase esses valores além da aula de religião, pois ela desempenha uma função social. Essa escola passou por um processo de autorização, submete-se a uma supervisão e, portanto, deve estar ajustada às normas vigentes. Ou seja, precisa ficar muito claro qual é o núcleo de estudo da parte científica, qual é o núcleo da parte religiosa – e isso para o bem da escola, dos alunos, da ciência e da religião.”

Quase tudo certo no trecho acima. O problema está no que vai em negrito. Olhe, Roseli: conheço uma escola judaica — e não declinarei o nome por motivos óbvios — que ensina Darwin aos alunos pêlo por pêlo daquele ancestral comum que, consta, partilhamos com o chimpanzé. Eles estão preparadíssimos, por exemplo, para enfrentar um exame público — vestibular ou qualquer outro. E essa mesma escola não abre mão — como fazem outras, algumas de denominações protestantes — de afirmar “a verdade revelada”. E NÃO HAVERÁ DEMOCRACIA NO MUNDO, ROSELI, QUE VÁ, EM NOME DA TAL “FUNÇÃO SOCIAL”, IMPEDIR A ESCOLA DE EXERCER A SUA CONVICÇÂO. Noto que a professora fala de uma divisão entre o “núcleo de estudo da parte científica” e o “núcleo da parte religiosa” como se a divisão tivesse caído… do céu! O céu de Roseli. Como se ela tivesse recebido as tábuas da lei, escritas pelo fogo divino. BEM DISSE A PROFESSORA: “Como aquilo é um espaço privado, seria incoerente lutar contra esses símbolos ou contra uma reza antes da aula, por exemplo. Se os pais não querem aquilo, devem procurar outra instituição.”

Mas o trecho verdadeiramente encantador da entrevista de Roseli é este: “Levar o criacionismo para as aulas de ciências, misturado aos conceitos da teoria evolucionista, é uma distorção. Não dá para confundir as lógicas. O campo da ciência não é o da salvação, nem o da iluminação, nem o do ser infalível. Ele tem uma marca: é produzido por seres humanos, num acúmulo de conhecimento histórico, e não de forma dogmática, de uma vez para sempre, fruto da revelação. Somos falíveis e mortais. Ao ensinar ciências, os professores podem inclusive dizer às crianças: ‘Isto é fruto da construção humana, e você pode ser parte dessa construção’. Assim se desenvolve nos alunos a possibilidade de questionar, e uma boa dúvida é a pérola do mundo científico. Se, do ponto de vista religioso, existe alguém infalível, isso é para as pessoas que acreditam. Quem acreditar será respeitado por isso, mas não se pode querer que todo o mundo esteja dentro dessa lógica. Ninguém, enfim, ganha misturando as duas frentes porque os cientistas podem pensar que são deuses, e quem fala de Deus pode pensar que é cientista.” Vamos ver:
1 – Quem disse que os professores das escolas religiosas estão misturando os conceitos? Essa é apenas uma ilação;
2 – Olhem com que sem-cerimônia ela expõe as convicções não-religiosas de mundo, considerando-as verdades absolutas. Embora o faça justamente quando exalta as virtudes da dúvida: “Uma boa dúvida é a pérola do mundo científico”. É? Será que as religiões nunca duvidam?
3 – E agora o melhor: “Se, do ponto de vista religioso, existe alguém infalível, isso é para as pessoas que acreditam. Quem acreditar será respeitado por isso, mas não se pode querer que todo o mundo esteja dentro dessa lógica.” SUA AFIRMAÇÃO SÓ FARIA SENTIDO SE ESTIVESSE ABORDANDO AS ESCOLAS LAICAS, DO ESTADO. MAS, DESDE SEMPRE, ESTAMOS FALANDO DE ESCOLAS RELIGIOSAS. PODE-SE ACHAR UMA BOBAGEM, UMA ESTUPIDEZ, UM ATRASO, MAS NÃO HÁ DEMOCRACIA NO MUNDO QUE IMPEÇA ESSES ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DE CULTIVAR SUAS CONVICÇÕES E VALORES. Só os totalitários usaram e usam a educação como pretexto para, sob o manto do triunfo da ciência, atingir a liberdade de crença. Reitero: não sou presbiteriano, não sou batista, não sou judeu… As escolas ligadas à Igreja Católica já fizeram, para ser sintético e até jocoso, Darwin ser uma manifestação de Deus. DESTACO DE NOVO: MINHA DIVERGÊNCIA COM ESSA ABORDAGEM NÃO É RELIGIOSA. MAS NÃO ME VENHAM USAR A CIÊNCIA PARA TENTAR TOLHER AS ESCOLHAS. Ademais, quem disse que esse mundo de Roseli é neutro?

As questões que ela propõe fazem sentido, sim, mas para as escolas laicas, como é a pública. Este escrevinhador defende, inclusive, o direito à educação doméstica — e é um absurdo que o estado tente impedi-la. NÃO É A MINHA ESCOLHA. Não tenho tempo e, nos estágios iniciais da alfabetização, por exemplo, não teria tido paciência também. A escola pública — ou reconhecida pela autoridade estatal — deve ser um direito. Um direito!

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NO PASSADO
Não é a primeira vez que Roseli desperta os meus melhores instintos. Quando Frei Galvão foi canonizado, pensou-se em criar um feriado nacional. Ela foi veementemente contra. Eu também. Os nossos motivos eram muito diferentes. Eu achava que o evento não deveria ser um pretexto para o país trabalhar menos — defendo que trabalhe mais. Roseli tinha outras coisas na cabeça. Escreveu ela então: “Feriado nacional, estabelecido pelo Estado laico, é para celebrar cidadãos exemplares (apenas humanos, não necessariamente santos, mas certamente justos) que contribuíram com o Estado de forma relevante, na humanamente falível esfera pública, em que o poder se estabelece como ação em concerto, conforme Arendt.”? Objetei duas coisas: 1) na forma como vinha redigida a coisa, ficava parecendo que Hannah Arendt um dia se ocupara de feriados… 2) Perguntei: “o que responder à professora Roseli? Que também os ‘cidadãos exemplares’ sempre o serão de acordo com a versão triunfante num dado momento da história?”
E continuei: “Ela é contra o feriado de Frei Galvão porque acredita que ele atenta contra a diversidade — embora uma data que seria simpática a quase 80% dos brasileiros não ferisse o direito de nenhuma minoria. E se eu for contra a República, por exemplo? Tenho o direito de argumentar que o feriado de 15 de Novembro é uma imposição mistificadora? Ela, provavelmente, dirá que não, já que, na esfera pública, o vencedor (olha só: estou escrevendo como se fosse um deles…) decreta o destino da razão dos vencidos, não é assim? O legal se impõe sobre a legitimidade das visões particulares. Para ela, entendo, um feriado é correto no caso de uma celebração política, mas inaceitável se ela for religiosa. Roseli não pode manter o seu critério sem pedir o fim do feriado no Natal. Ou, então, admite a data natalina e também o feriado de Frei Galvão em nome da relevância cultural da celebração.”

Escrevi mais: “Vejam só: eu votaria contra o feriado. O que fiz até agora é demonstrar que Roseli teria de ser a favor dele segundo os critérios que ela escolheu para debater. O meu é mais simples: ‘Vai trabalhar, Mané, e reza em casa ou na Igreja’. Mas sigo. Ela está equivocada até aqui, mas ainda não deu uma piscadela para o escândalo, o que fará agora. Vejam só como conclui o seu artigo: ‘Por reconhecerem-se como humanos, compreendem os seres democráticos que se necessitam mutuamente para estabelecer o bem comum, que a nenhum pode excluir. Assim, melhor seria que o Congresso estabelecesse o Dia Nacional da Liberdade de Consciência e de Crença, celebração laica que a todos unirá, ou que finalmente aprovasse o Dia de Zumbi, de todas as gentes, como feriado nacional.’”

Tive de divergir, não é? Assim: “O último parágrafo de seu texto desmascara todo o resto. A liberdade de consciência e de crença está ameaçada no Brasil, dona Roseli, a ponto de merecer um feriado nacional? Qual é a minoria religiosa impedida de exercer o seu culto? E por que Zumbi é ‘de todas as gentes?’ Por acaso a exaltação dessa figura também não traduz uma certa compreensão da história, parcial como qualquer uma? O Dia de Zumbi deve embutir um protesto contra os negros que escravizavam negros dentro dos quilombos?”. A íntegra dessa minha pendenga está aqui.

Concluindo…
Somos todos, claro, claro, contra o preconceito, a discriminação, a demonização das diferenças. Roseli é ainda mais contra do que nós. Afinal, ela redigiu “o conteúdo do tema transversal Pluralidade Cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais”. Uau! A sua pluralidade só não admite que escolas religiosas possam exercer a sua… religião. “Não nas aulas de ciências”, diriam os inocentes. Essa restrição é apenas o pretexto falso e verossímil para ameaçar a liberdade de escolha — os regimes autoritários, diga-se, não precisam de motivos, só de pretextos… Até porque os colégios que motivaram esse debate deixaram claro que ensinam, sim, o darwinismo, mas dizem: “A nossa crença diz outra coisa”.

“Ah, mas olhe quem fala em liberdade!!! Justo você que aponta o submarxismo na educação, as falhas dos livros didáticos, a esquerdização do ensino…” Sim, justo eu. PROCUREM UM SÓ TEXTO EM QUE TENHA DEFENDIDO QUALQUER PUNIÇÃO À CANALHA OU QUALQUER INTERVENÇÃO DO ESTADO. Não há! Mesmo quando resta evidente que, em alguns casos, a defesa de determinados “movimentos sociais” beira a apologia do crime – já que são criminosos. Quero é outra coisa: tornar esse tema relevante, debatê-lo. Mas notem que, sobre esse particular, imprensa — com exceções, claro — e acadêmicos se calam. Há quem ache que até marxismo é ciência…

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