Daime ganha editorial. E eu faço uma pergunta
A Folha fez um editorial para o Santo Daime. Leiam, Comento em seguida: * ERA PREVISÍVEL que as mortes trágicas do cartunista Glauco e de seu filho Raoni reanimassem a controvérsia sobre o uso do chá alucinógeno ayahuasca, também conhecido como hoasca ou daime. Glauco fundou uma das igrejas que usa a bebida em rituais. […]
A Folha fez um editorial para o Santo Daime. Leiam, Comento em seguida:
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ERA PREVISÍVEL que as mortes trágicas do cartunista Glauco e de seu filho Raoni reanimassem a controvérsia sobre o uso do chá alucinógeno ayahuasca, também conhecido como hoasca ou daime. Glauco fundou uma das igrejas que usa a bebida em rituais. Seu assassino confesso frequentava cerimônias, mas, ao que se sabe, teria ingerido o chá pela última vez semanas antes de cometer o crime.
Há que evitar, em primeiro lugar, a polarização entre a apologia da hoasca e sua demonização. Assim como não há evidência científica dos poderes curativos e transcendentais que seguidores lhe atribuem, tampouco as há para apoiar o pressuposto de críticos acerbos de que o chá cause dependência, faça mal à saúde ou desencadeie ações violentas.
A bebida contém potentes compostos psicoativos diluídos em água. Eles são obtidos de duas plantas, o cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e a erva chacrona (Psychotria viridis).
A ingestão tem efeitos sobre o metabolismo de importantes neurotransmissores, como a serotonina. Estimula o surgimento de visões, que os seguidores do Santo Daime chamam de “mirações”. É uma droga, sob qualquer definição, como o álcool ou o tabaco -e seu uso deve submeter-se a normas.
A utilização do chá no contexto religioso é autorizada pelo Estado desde 1987. Questionamentos redundaram sempre na confirmação da legitimidade do consumo ritual. A mais recente ratificação se deu em janeiro, com a Resolução n.º 1 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas.
O Conad faz uma série de recomendações -de um cadastro das igrejas à obrigatoriedade de os líderes religiosos realizarem entrevistas com candidatos a participar dos cultos. Incentiva, também, a realização de pesquisas sobre os efeitos da ayahuasca.
São providências sensatas e preferíveis à repressão ou à proscrição de seitas que acolhem desajustados e desequilibrados entre seus fiéis -como pedem alguns, de maneira oportunista.
Comento
Estou aqui tentando me lembrar quem pediu a proscrição da seita. Não consigo. Eu, por exemplo, pedi foi prescrição – médica, se for o caso – para o manejo, se assim se pode chamar, do chá. E pedi também que se pare com a fantasia de que a bebida cura o vício em drogas mais pesadas. E, dando crédito ao testemunho de uma fiel reproduzido na Folha, acho que o Ministério Público deve se interessar pelo fato de que a substância é ministrada a crianças. Só isso.
Quanto aos supostos cuidados que editorial relata, tomados pela hierarquia religiosa ao ministrar o chá, lamento lembrar que eles podem ser mais retóricos do que reais. O fato de Cadu ser um “fardado” sugere que as coisas não são bem assim. Há testemunhos às pencas, inclusive a este blog — e eu mesmo conheço quem já tomou a droga —, de gente que foi até uma igreja e tomou a bebida porque queria saber qual era o barato.
Não, editorial! Preconceituoso, nesse caso, é chamar de preconceituosa a censura à irresponsabilidade. A Folha endossaria uma religião que fizesse o uso ritualístico do Prozac ou do Zyban, sem qualquer acompanhamento técnico? Qual é a diferença? Alegar que são produtos da indústria química seria puro preconceito, não é mesmo?
PS – O daime não pode reclamar de preconceito. Editorial favorável do maior jornal do país não é para qualquer um. O Cristianismo não ganhará um desses nem nos próximos 300 anos.