Afinal, a justiça criminal existe com que finalidade?
No debate da VEJA.com (ver abaixo), afirmo: “Neste caso (do mensalão), e em todos os casos, num julgamento criminal, a finalidade é desagravar a parte agravada e punir quem cometeu crime. É por isso que existe um julgamento. Se um julgamento não existir para punir quem cometeu crime e desagravar o agravado, então não serve […]
No debate da VEJA.com (ver abaixo), afirmo:
“Neste caso (do mensalão), e em todos os casos, num julgamento criminal, a finalidade é desagravar a parte agravada e punir quem cometeu crime. É por isso que existe um julgamento. Se um julgamento não existir para punir quem cometeu crime e desagravar o agravado, então não serve para nada; é mero exercício retórico, é mera conversa mole; é mera ilustração de teses jurídicas. Este ministro que fala aí, Celso de Mello (refiro-me a um vídeo) é o ministro dos meios; é o ministro que borda, com palavras precisas, de uma verdade inquestionável, o que foi o mensalão. O ministro que vai decidir é o ministro dos fins, é o ministro da ação. Vai se fazer justiça ou não se vai fazer justiça? Essa é a questão que interessa”.
Um grande e querido amigo, advogado criminalista lá do topo da competência e da reputação, me envia um e-mail e me dá uma esculhambada sensacional (atribuo as qualidades que eu eventualmente tenha ao fato de que meus amigos são severos; sigo Santo Agostinho: prefiro os que me criticam porque me corrigem aos que me adulam porque me corrompem). Escreve ele:
“O objetivo último da justiça criminal não é desagravar a parte ofendida e punir quem cometeu delito. O processo penal é instrumento que confere efetividade às garantias constitucionais, para impedir que o Estado exerça seu poder punitivo sem limites. O processo penal, portanto, é a proteção do indivíduo acusado contra o poder punitivo estatal.”
Comento
Todas as leis num estado democrático e de direito impõem limites ao estado, não? A Constituição não é outra coisa. No caso da ação criminal, é claro que esse aspecto está, e tem de estar, presente. Mas não se pode entender que a máquina da Justiça existe com a finalidade precípua de proteger os transgressores da sanha punitiva do estado. É evidente que esse aspecto é de suma relevância, como herança deixada da luta contra o estado autoritário, que se impunha pela força.
O Código Penal não estabelece, depois de cada crime, uma compensação mínima ou uma compensação máxima às vítimas, por exemplo, mas uma pena mínima e uma pena máxima aos criminosos. Também o juiz não decide as compensações, mas as penas. Eu entendo o papel fundamental do direito de defesa na história da democracia. Sei que é fundamental garantir esses direitos, mas me parece que, sem que se dê o devido peso à punição — que é a reparação possível à vítima, não há outra — o direito penal, então, se transforma apenas num sistema de contenção da força punitiva do estado. Ora, há outras instâncias para esse fim específico.
O direito penal carrega uma herança da qual, nas democracias, precisa se livrar, sem o quê, e já se verifica isso, corre o risco de ser omisso com as vítimas e protetor de malfeitores. Durante muito tempo — e assim é nas tiranias, ditaduras e protoditaduras até hoje —, a acusação criminal serviu (e serve) de fachada para a perseguição política. Então se criaram as defesas — entendo os motivos, mas não posso justificar as distorções decorrentes — contra o estado punitivo.
Numa democracia de direito, em que o estado não se impõe pela força — a não ser aquela pactuada e aceita como precondição da vida em sociedade —, o excesso de garantias aos que cometem crimes se dá, necessariamente, em razão de um déficit de direitos das partes ofendidas.
Nem tão por acaso, o atraso político dos países é diretamente proporcional à impunidade. Aquilo que serviria como garantia do indivíduo contra a sanha punitiva do estado acaba se transformando em instrumento de proteção de malfeitores que se imiscuem na máquina do estado. Com o tempo, de garantia recursal em garantia recursal, por exemplo, sob o pretexto de proteger esses direitos, o que se tem é, na prática, a impunidade dos poderosos, que acabam, por assim dizer, privatizando as garantias contra os interesses da sociedade. O debate não se esgota aqui. Voltarei ao caso.