Censuraram o Chapolin? Então também devem censurar o Eddie Murphy
A censura, qualquer forma de censura, inclusive a de produtos culturais das décadas passadas, é sempre uma faca de dois gumes
Através de uma edição de dublagem, o Multishow cortou uma piada considerada homofóbica de um dos antigos episódios do Chapolin Colorado, estrelado pelo humorista mexicano Roberto Bolaños (1929-2014), o mesmo que se consagrou internacionalmente no papel de Chaves.
“É melhor chamar o Batman”, diz um dos personagens para desdenhar a importância de Chapolin, que responde:
— Em primeiro lugar, o Batman não pode vir porque está em lua-de-mel com o Robin.
Essa frase, já exibida em TV aberta pelo SBT, foi substituída por:
— Em primeiro lugar, o Batman não pode vir porque furou o pneu do batmóvel.
A atitude politicamente correta foi de fato correta? É difícil compreender o que exatamente incomoda na cena. A simples menção ao fato de Batman e Robin serem um casal? Mas, nesse caso, o reconhecimento de uma suposta relação homoafetiva deveria ofender alguém? Ou o cuidado seria com a própria dupla dinâmica, desde sempre cercada por uma aura gay?
A censura, qualquer forma de censura, inclusive a de produtos culturais das décadas passadas, é sempre uma faca de dois gumes. Se a dublagem do Chapolin foi modificada, então é justo que as pessoas que desejam construir um mundo melhor através da omissão também exijam o corte de várias cenas de Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984), com Eddie Murphy, ainda exibido em horários vespertinos.
No caso seria preciso CORTAR segmentos inteiros, já que a simples redublagem não resolveria o problema dos estereótipos difundidos pela indústria cultural. A característica básica de Axel Foley, interpretado por Murphy, é zombar de todo mundo, dos policiais, dos ricos, dos wasps e, claro, dos gays. O vídeo abaixo apresenta três dublagens da mesma cena, nenhuma preocupada com incorreções políticas.
Se o Chapolin, que mencionou o Batman, merece censura, então o Eddie Murphy – e boa parte dos astros dos anos 80 – também merece. Mas será que vale a pena prosseguir com essa espiral de “pode” e “não pode” que fatalmente terminará numa caça às bruxas nas ilhas de edição? Não seria mais correto, inclusive no sentido político, deixarmos as novas gerações entenderem que algumas coisas eram diferentes no passado?
O mundo está se tornando muito, muito babaca.