O ministro da Economia, Paulo Guedes, pode não ter se dado conta da gravidade de sua fala mais recente em que acusa a China de criar o vírus da Covid 19. Verborrágico, o ministro fala em ambientes solenes com a descontração do boleiro de botequim.
Dessa vez foi longe: tomada ao pé da letra, sua manifestação no Conselho de Saúde Suplementar, é uma acusação à China de crime contra a humanidade, pois empregou o verbo inventa, estabelecendo intenção e autoria.
Não satisfeito, disse ainda que os chineses produziram a pior vacina, colocando em dúvida a eficácia da coronavac, justamente a que foi aplicada, até aqui, na maioria dos brasileiros, inclusive nele, Guedes. Mais que isso, mesmo para produzir outra vacina, como a AstraZeneca, dependemos do insumo chinês.
Guedes disse outras impropriedades, como a pregação contra o SUS que tem sido heróico no tratamento dos pacientes de Covid. Porém, nada poderia ser pior do que sua ingerência na questão sanitária em relação à qual pensa como o presidente.
Como não consegue sequer exibir o seu programa para a economia, e esta segue errática e longe do liberalismo que defende, sua visão da pandemia o credenciaria para o ministério da Saúde, onde titulares dizem amém ao presidente da República.
Bolsonaro tem novamente um grave problema pela frente. Assim como não quis demitir o seu chanceler de estimação, Ernesto Araújo, mas teve que fazê-lo, não há mais como sustentar Guedes.
É uma questão de (pouco) tempo para que a bancada do agronegócio, e o próprio setor, veja na demissão de Guedes a única forma de evitar uma crise comercial com o maior parceiro brasileiro e tornar reparável a agressão cometida.
E, mais uma vez, ficará a contradição de um ministro demitido por vocalizar o pensamento não só presidencial, mas da cúpula de governo. Nenhum colega de ministério entre os presentes na reunião corrigiu Guedes.
O ministro da Economia fornece também conteúdo para a CPI instalada no mesmo dia de sua desastrada fala. Guedes mostra a motivação ideológica que orientou o comportamento do governo frente à pandemia, que explica o negacionismo da doença, o boicote às medidas de proteção como o isolamento e a negligência com a contratação das vacinas.
A negligência que resulta dessa postura não se limitou ao catastrófico número de mortes, embora essa estatística seja macabra e se refira a vidas humanas. Mas a negação matou milhares de empresas que acreditaram em programas como o Pronamp, entre outros.
O dia não era mesmo de discrição no governo. O chefe da Casa Civil, general Luís Ramos, aproveitou a ocasião para confessar a Guedes que tomou a vacina “escondido”, para não contrariar a orientação do presidente da República.
Ramos ficou pior que Bolsonaro, pois este não tomou a vacina que condena. E disse não ter vergonha, pois o fez porque preza a vida e se a ciência a recomenda não seria ele a contestá-la.
Nesse ritmo de revelações estarrecedoras, a CPI pode durar menos do que o previsto para gerar resultados graves.
João Bosco Rabello escreve em https://capitalpolitico.com/