É bem possível que depois de tanto tempo morando fora do Brasil a gente tenha mesmo perdido a noção do que se passa no país tropical. Nunca foi muito fácil entender o que se passa. Mas, olhando de longe, parece que perdemos o bom senso.
A responsabilidade de escolher o próximo presidente entre as opções disponíveis em cardápio de gosto discutível já era grande. Mas na hipótese duvidosa de que eu tenha compreendido bem, a escolha do domingo é certamente uma das decisões mais importantes de nossas vidas.
Dela vai depender tudo. Como o país vai ser governado. Quem são os nossos amigos. Como são os nossos amigos. Com quem conversamos. E até quais membros da família que serão convidados para a ceia do natal.
Vá lá que não esteja fácil escolher. As opções disponíveis não entusiasmam. E certamente assustam. O resto, é apenas questão de opinião. Não precisava toda essa briga. Mas é inevitável. O conjunto de adjetivos que serão usados para descrever cada eleitor parece vai ser uma função direta do botão que cada um apertar na urna eletrônica.
Quem escolher branco ou nulo, certamente vai ser chamado de alienado, ignorante, covarde, omisso, irresponsável. Gente, enfim, com as quais ninguém pode contar.
Quem escolher um dos candidatos, recebe o rótulo de fascista, violento, insensível, cruel, sexista, autoritário, demagogo, e muitas outras coisas. Difícil listar todas. São muitos adjetivos incluídos no mesmo rótulo.
Quem escolher o outro candidato, vai ser acusado corrupto, cego, mitômano, atrasado, tacanho e muitas outras coisas. Este rótulo também traz muitos adjetivos pendurados.
Tudo isso é muito ruim. Mostra somente que a gente talvez não seja mesmo capaz de conviver com a diferença. O mais curioso é que, depois de tanta briga, tanto conflito, a verdade é que muito poucos estão votando a favor de um candidato. A gente está é votando contra alguém, algo, ou alguma coisa.
Portanto, na maior parte dos casos, nenhum dos adjetivos derrogatórios usados para descrever o eleitor, seja lá em quem ele vote, seja aplicável. Melhor seria conservar as amizades e garantir a harmonia da ceia de natal. E votar em quem quiser.
Neste país estranho, o ideal seria que a eleição chegasse e acabasse rapidamente. Talvez as pessoas possam voltar ao normal. Com sorte, voltamos a falar só sobre samba, novela e futebol. Pelo menos sobre estes assuntos a gente ainda pode discordar sem briga. O resto não pode.
É tudo o que nossa maturidade democrática consegue tolerar.
Elton Simões mora no Canadá. É President and Chair of the Board do ADR Institute of BC; e Board Director no ADR Institute of Canada. É árbitro, mediador e diretor não-executivo, formado em direito e administração de empresas, com MBA no INSEAD e Mestrado em Resolução de Conflitos na University of Victoria. E-mail: esimoes@uvic.ca .