Proteção de dados: caos à vista? (por Raul Jungmann)
Os candidatos que pensem duas vezes antes de usar dados pessoais dos eleitores
O Senado rejeitou prorrogar o início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), para fins de 2020. Em razão disso a lei, que poderá ter o impacto de um terremoto sobre o setor privado, mas também no setor público e na sociedade, deverá entrar em vigor ali na esquina. Isto é, em setembro, e vai pegar muita gente de calças curtas.
Para recordar, a LGPD foi sancionada em agosto de 2018, porém, fruto da vacatio legis, sua entrada em vigor deveria ocorrer em agosto de 2019. Em julho deste ano, o atual governo editou Medida Provisória prorrogando a sua efetivação para dezembro de 2020, que o Senado derrotou.
Mas isso não é tudo. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o órgão regulador e fiscalizador da nova lei, ainda não existe. O que é algo assim com se aprovar uma constituição e depois criar um Estado para aplicá-la…
No dia seguinte à decisão do Senado, 26 de agosto, o governo baixou decreto definindo a estrutura da ANPD, mas não indicou quem será o seu presidente e diretoria. Estes, terão que ser sabatinados pelo Senado, cabendo ainda ao Presidente da República a indicação dos 23 integrantes do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade.
Fui, desde sempre, a favor da LGPD e contra o seu adiamento. Mas, na situação atual, a decisão do Senado pode levar ao caos. Por três motivos: (i) inexistindo a ANPD, toda a normatização necessária da lei igualmente inexiste; (ii) poderá redundar num contencioso judicial imprevisível e de alto custo para as empresas que não se prepararam a tempo; (iii) não há recursos humanos disponíveis para suprir o novo mercado que se abre; e (iv) tudo poderá ainda mudar, caso a PEC 17 de 2019 seja aprovada. Menos mal que até para o ano não incidirão multas sobre as empresas, apenas advertências.
Ainda assim, a decisão de entrada imediata da LGPD é pouco responsável e temos um provável caos a vista. É provável que a maioria esmagadora das empresas não tenha se estruturado, mas, a partir da sanção da MP 959, que ocorrerá até o dia 17, nenhuma delas poderá usar dados pessoais de terceiros, para qualquer fim, sem o consentimento do titular – que poderá mudar de ideia a qualquer tempo.
E, já nas próximas eleições, os candidatos que pensem duas vezes antes de usar dados pessoais dos eleitores, pois podem ser processados e ter problemas legais na justiça eleitoral e na comum.
Raul Jungmann escreve no Capital Político – ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.