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Políticas doentias

O voluntarismo eleitoreiro de Trump e Bolsonaro são o exemplo mais crasso de ruptura entre a política e a ciência

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 18h55 - Publicado em 21 Maio 2020, 12h00

Editorial de O Estado de S. Paulo (21/5/2020)

Em meio à pior crise de saúde pública desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi fundada, em 1948, seus membros aprovaram, na sua 73.ª Assembleia-Geral, uma resolução para o acesso equitativo à distribuição das tecnologias e insumos para combater o vírus, além de uma investigação independente sobre o desempenho da própria OMS. “A covid-19”, disse o diretor-geral Tedros Adhanom, “nos lembra de que, apesar de todas as nossas diferenças, somos uma só raça humana, e somos mais fortes juntos.” Mas, apesar das palavras elevadas, a Assembleia serviu mais para lembrar das fraturas que a politização da pandemia está provocando nacional e internacionalmente.

No dia de inauguração da Assembleia, o presidente dos EUA, Donald Trump, revelou que estava tomando hidroxicloroquina preventivamente. No Brasil, dois ministros da Saúde foram rifados em menos de um mês pelo presidente Jair Bolsonaro por se recusarem a recomendar o uso indiscriminado da cloroquina. Agora, o ministro interino, o general Eduardo Pazuello, acaba de aprovar o uso da droga para todos os pacientes desde os primeiros sintomas da doença. Pazuello também nomeou vários assessores – todos militares, ninguém ligado à área da Saúde.

Embora não definitivos, os estudos sobre a cloroquina se mostraram frustrantes. Tudo indica que ela não só não tem efeitos sobre a covid-19, como aumenta os riscos de danos colaterais ao coração, ao fígado, ao rim e à medula. Assim como Trump contraria as orientações das autoridades médicas americanas, Bolsonaro se choca contra os especialistas das associações médicas e do Ministério da Saúde. As sociedades brasileiras de infectologia e de pneumologia, juntamente com a Associação de Medicina Intensiva, assinaram um documento desautorizando o uso da cloroquina como tratamento de rotina. Ontem, a própria OMS alertou para os danos colaterais da droga.

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No plano internacional, a Assembleia da OMS começou sob a ameaça de Trump de cortar definitivamente o financiamento americano – atualmente suspenso. Em carta ao diretor-geral, Trump disse que a OMS mostrou “alarmante falta de independência” em relação a Pequim e se recusou a compartilhar “informações críticas” por “razões políticas”. Os EUA também repudiaram uma resolução da OMS apoiando os direitos dos países pobres de ignorar patentes para acessar vacinas e tratamentos para a covid-19.

Com 72 anos, a OMS certamente precisa de reformas. Apenas 15% dos seus recursos são dedicados a prevenir epidemias, e sua conduta na crise está aberta a críticas. As alegações de que ela demorou a declarar a pandemia têm fundamentos, e, enquanto a China omitia informações e intimidava e punia médicos que denunciaram o novo vírus, o diretor-geral elogiava o país por “estabelecer um novo padrão no controle de surtos”. A China tem muito a esclarecer, e membros da comunidade internacional – como União Europeia, Austrália, Reino Unido e Japão – têm se pronunciado vigorosamente nesse sentido. Mas as acusações de Trump de que a OMS é “uma marionete da China” é puro nonsense. Com efeito, enquanto a contribuição da China em 2019 foi de US$ 86 milhões, a dos EUA foi de US$ 893 milhões, e boa parte dos técnicos da Organização é de servidores públicos americanos.

O fato é que a tensão crescente a que Trump está submetendo as relações bilaterais com a China – seja na esfera comercial, tecnológica ou militar – tem claro propósito eleitoral. Mas seu assalto à OMS não só deve enfraquecer a liderança global dos EUA, como acabará abrindo espaço para a narrativa triunfalista da China. Pior: ele ameaça minar e confundir a resposta global à pandemia, justamente no momento em que a coordenação internacional se mostra vital para encontrar tratamentos e vacinas. A OMS pode e deve passar por uma reestruturação, e a investigação aprovada na Assembleia será capital para isso. Mas no momento é a única organização global de saúde de que o mundo dispõe. O voluntarismo eleitoreiro de Trump e Bolsonaro é o exemplo mais crasso de ruptura entre a política e a ciência, precisamente no momento em que o mundo mais precisa delas.

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