Episódios recentes são emblemáticos do quanto o pragmatismo responsável se impõe para que o Brasil não seja prejudicado no jogo das relações internacionais. Sem poder de retaliação, temos muito a perder se tomarmos para nós brigas alheias, onde os contendores ao final podem acabar se entendendo.
Vamos aos fatos.
Na Conferência do G20, realizada em Buenos Aires, Donald Trump e o presidente chinês Xi Jinping chegaram a um acordo no qual selaram uma trégua de 90 dias. Nos últimos meses nosso país se beneficiou do conflito entre Estados Unidos e China, ampliando em 30% sua exportação de soja. Os norte-americanos são nossos principais concorrentes na compra chinesa de produtos agrícolas. Com o acordo de Buenos Aires, estima-se que nossa exportação de soja possa ter um recuo de dez milhões de toneladas. O acordo é um passo significativo para o fim da guerra comercial entre as duas principais potências econômicas e terá impacto positivo na economia global.
Para nós o risco da perda terreno se torna iminente diante das manifestações do governo Jair Bolsonaro de alinhamento automático com os EUA. Estigmatizações do presidente e do novo chanceler criaram um clima pouco amistoso que pode levar o país asiático a jogar duro contra o Brasil e preferir a soja americana.
O presidente Maurício Macri, da Argentina, usou a Conferência para se projetar como liderança regional e interlocutor junto ao cenário internacional. Ajudou na aproximação dos EUA e China, aproveitando a oportunidade para aprofundar as relações com as duas maiores potências do mundo. A vizinha Argentina é outra concorrente do Brasil no agronegócio, podendo avançar em outros mercados, como o da União Europeia.
A primeira ação concreta do novo presidente brasileiro em política externa foi a recusa de sediar a Conferência do Clima da ONU, a COP-25, inicialmente prevista para ser realizada no Brasil em novembro de 2019. O argumento é insustentável. A Conferência poderia ameaçar a soberania brasileira na Amazônia. O presidente embaralha as cartas, confundindo o Acordo de Paris com a proposta do ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos de um corredor ecológico, o tríplice A.
Na verdade, Bolsonaro se antecipou em agrados à Trump, que não assinou o acordo climático. O futuro presidente pode ser surpreendido a qualquer hora. Trump tem se mostrado pragmático, apesar de sua retórica. Isso se deu com a Coreia do Norte e agora com a China. Pode acontecer o mesmo na questão ambiental.
Ao desistir de sediar a COP-25, o Brasil abdicou de seu papel de liderança regional e de se afirmar no concerto mundial das nações. O próprio Bolsonaro perde uma oportunidade de se projetar. Esses são os prejuízos menores.
A fatura veio a cavalo. O presidente da França Emmanuel Macron condicionou a assinatura do acordo comercial da União Europeia e do Mercosul à posição do presidente eleito sobre o Acordo Climático de Paris. O agronegócio brasileiro pode perder terreno no mercado europeu se o Brasil sair do Acordo de Paris.
Não sabemos se o futuro presidente já leu “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”, excelente biografia do patrono do Itamaraty escrita pelo diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, da Cia das Letras. Se não o fez, deveria fazer o mais rápido possível. O livro mostra o quanto o pragmatismo e a opção pela negociação trouxeram benefícios. Por esse caminho, garantimos a soberania do extremo oeste catarinense reivindicado pela Argentina. Também por aí impedimos que a França se apossasse de uma faixa de 260 mil km2, que ia do Amapá a uma parte de Rondônia.
Não é preciso inventar a roda nas relações internacionais. Basta seguir os princípios de uma política estruturada pelo Itamaraty ao longo de mais de um século.
Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo