Para quase mais ninguém é segredo que o atual ocupante do Palácio do Planalto, praticamente, não pensa em outra coisa, além dos novos acordos e arranjos políticos, para permanecer mais quatro anos por lá, depois de 2022, num segundo mandato. Mas há um problema, além do sonho e do propósito que já custam caros e estão repletos de puxadinhos, “gatos” e incertezas para o país: obstáculos mais concretos, um deles de carne e osso (duro de roer), Hamilton Mourão.
Isso fica mais evidente a cada dia e a cada mês, deste ano do coronavírus, sinalizando que a tarefa não será maneira para o presidente Jair Bolsonaro e seus novos aliados e estrategistas do Centrão. E não só pela frágil e rachada resistência das “forças de oposição,” mas, principalmente, pelos ruídos internos que já se escutam dentro do seu governo em rearrumação, em especial nas hostes da aliança com os militares, prenunciando tempos difíceis, para logo ou um pouco mais adiante.
Esta semana, por exemplo, começou com o alvoroço causado pela reportagem da Folha de São Paulo – que leio em Salvador, reproduzida com destaque na Tribuna da Bahia – cujo personagem principal é o ocupante do Palácio Jaburu, vice-presidente da República. General do Exército, no centro do poder político e administrativo atual, ele começa a assemelhar-se cada vez mais com a “mosca da sopa” de que fala Raul Seixas em uma de suas músicas geniais e de maior sucesso.
“Eu sou a mosca que pousou na sua sopa, eu sou a mosca que chegou pra lhe abusar”, canta o saudoso baiano, roqueiro do Brasil. De passagem pela Catedral de Brasília ou do Congresso Nacional, o irônico viajante francês que costuma aterrissar por estas plagas, certamente diria aos seus botões: “Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”.
Sustentada em informações de bastidores, de três aliados do mandatário (sem partido), o ponto crucial e relevante da reportagem é a revelação de que Bolsonaro já se organiza para disputar a reeleição, daqui a dois anos, sem o seu vice, que cresce em influência política e militar nos círculos de mando em Brasília, ao mesmo tempo que amplia espaços na área da comunicação em geral e da imprensa em particular. E aí se concentra uma das razões maiores das reservas do presidente em relação ao seu vice.
As aparições diárias de Mourão na imprensa, “não raramente amenizando ou desmentindo o que foi dito pelo presidente, além de uma leitura clara de políticos do Congresso de que Mourão é mais hábil que o atual chefe para governar o país”, segundo a exclusiva do jornal paulista. E aí se instala, no coração do poder, o foco da Inveja, um dos pecados capitais mais devastadores nas relações pessoais e políticas, na visão exposta pelo genial cineasta espanhol Luiz Buñuel em seu livro de memórias “Meu último suspiro”.
Na presidência do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) – por onde passam alguns dos temas de maior visibilidade e ressonância estratégica nos jogos do poder – nacional e internacionalmente falando – é fácil, até para o mais ingênuo dos observadores, perceber o quanto pode ainda se ampliar os espaços de Hamilton Mourão. Diante das expectativas do choque interno que isso pode causar no Governo Bolsonaro, a reportagem destaca que “a saída encontrada pelos militares foi a de alocar Mourão na disputa pelo Senado ou pelo governo do Rio Grande do Sul”. Tem mais, mas não digo, até porque o espaço acabou.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br