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Guedes no labirinto do possível

A notícia boa: o governo tem um plano de navegação. A má: o nível de dúvidas quanto à capacidade de viabilizá-lo ainda é muito alto

Por Leonardo Barreto
Atualizado em 30 jul 2020, 19h09 - Publicado em 14 fev 2020, 12h00

Por Leonardo Barreto

O governo enviou na última semana uma significativa mensagem de abertura do ano legislativo ao Congresso Nacional. Não é exagero afirmar que o texto equivale a uma “certidão de nascimento, pois contém narrativa lógica, escolha de prioridades e comprometimento com os princípios do liberalismo econômico”.

A leitura atenta da mensagem permite uma visão de como o governo pensa seus conteúdos e estratégia. Prioriza a reforma do ambiente de negócios em detrimento do investimento direto, vê no repasse de ativos à iniciativa privada o passo chave para o desenvolvimento, mantém uma distância regulamentar do Legislativo, vê na adesão à OCDE e alinhamento às nações ricas uma forma de acelerar e garantir reformas institucionais e busca deixar temas de valores de fora das prioridades, concentrando sua atenção na retomada do crescimento.

Teoria e prática

No papel, o plano é coerente e traduz um planejamento de curto, médio e longo prazos (prevê investimentos da ordem U$ 900 bilhões nos próximos 30 anos apenas ligados aos programas de privatização e concessões), servindo de guia para entender a natureza do governo. Mas, qual a viabilidade do plano?

Há três questões de fundo que precisam ser consideradas para responder essa pergunta. Até onde o presidente Jair Bolsonaro realmente é liberal? Está disposto a gastar recursos políticos – como fez na aprovação da Previdência – para abrir caminho para a privatização da Eletrobras e outras estatais, por exemplo?

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A segunda questão é quanto o Congresso Nacional é liberal. Não há dúvidas que deputados e senadores dessa legislatura são mais abertos a temas como a redução do Estado do que os de legislaturas anteriores. No entanto, essa convicção é suficiente para sobrepor interesses locais que precisam da sobrevivência de estatais?

Como boa parte do sucesso do governo em aprovar temas liberais da agenda Paulo Guedes/Jair Bolsonaro se deve à liderança e às convicções pessoais do deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), haverá continuidade dessa agenda após sua sucessão, marcada para o início de 2021?

Por último, o governo terá capacidade política e de comunicação para implementar sua agenda estratégica? Declarações como a feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, comparando funcionários públicos a parasitas despertam reações fortes e aumentam a dificuldade para a aprovação de qualquer projeto de reforma administrativa.

Críticas recentes

 Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo domingo, o economista Marcos Lisboa afirma que parte da direita ainda não entende a razão pela qual a reforma da Previdência não liberou estoques volumosos de investimento internacionais no país.

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A questão, sugere Lisboa, está para além do ajuste fiscal e tem relação com a questão do ambiente regulatório brasileiro e seu alto nível de insegurança: “Enquanto isso, o Brasil continua a afastar os investidores em razão da incerteza sobre a política para o meio ambiente, das frequentes alterações nas normas tributárias, das fragilidades do marco regulatório e da insegurança jurídica, incluindo um Supremo que parece não saber bem o seu papel em uma democracia.”

Em outro texto, publicado no início de fevereiro, Miriam Leitão questionou a capitalização de empresas estatais em R$ 10 bilhões em 2019. O próprio secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, ao anunciar o resultado fiscal do ano passado, afirmou que foi pego de surpresa com a decisão e que isso afetou o resultado primário esperado.

Outros economistas, como Pérsio Arida, levantam dúvidas sobre a alma liberal do governo. Um dos pais do plano Real, Arida cobrou em palestra para o banco Credit Suisse a não abertura comercial que estava prometida desde o fim do governo Michel Temer, o fracasso da agenda de privatizações em 2019 e a manutenção de fundos compulsórios (FGTS e FAT) em função dos lobbies de Caixa Econômica Federal e do BNDES como exemplos de que a gestão Guedes não pode ser considerada liberal.

Guedes e o possível

Paulo Guedes certamente desejava uma ruptura para o Brasil, com a desconstrução de monopólios, desregulamentações, desvinculações, desindexações, privatizações, abertura comercial e outras medidas que pudessem promover um choque de produtividade. No entanto, como em democracias a regra é a transição, o ministro teve que eleger prioridades e negociar concessões com o presidente Bolsonaro e com o Congresso Nacional.

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A primeira delas foi guardar na gaveta a adoção do modelo de capitalização para o sistema previdenciário brasileiro. Seu objetivo era aumentar a taxa de poupança via grandes fundos de pensão privados que serviriam de motor para investimento e crescimento. Não conseguiu e os parlamentares apenas aprovaram regras mais duras para a aposentadoria.

Outra concessão foi a Previdência dos militares, possivelmente muito mais generosa do que Guedes gostaria.

O ministro também recuou na aprovação de uma contribuição sobre movimentações financeiras para compensar a desoneração da folha de pagamentos (aceitou a demissão do ex-secretário de Receita Federal, Marcos Cintra) e não pesou a mão sobre o secretário especial de Desestatização e Desinvestimentos, Salim Mattar, para acelerar a venda de estatais (ainda).

Falta de convicção ou senso de prioridade?

Da mesma forma que é fácil perceber limites à agenda liberal, também está clara a estratégia de adotar uma visão realista e aprovar o que for possível dentro de um conjunto de prioridades. E, por mais que outras agendas já tenham sido levantadas e se tenha caminhado em outros temas que influenciam a qualidade do ambiente regulatório (Lei da liberdade econômica, por exemplo), o foco ainda é o fiscal.

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Mansueto sustenta que o Estado brasileiro precisa economizar 4% do PIB e que avançou, até agora, apenas 0,5%. Isso significa que a agenda legislativa do governo ficará engessada enquanto o objetivo fiscal não for atingido. Até que as últimas mudanças estruturais sobre esse tema sejam aprovadas (PEC emergencial), Guedes adia outras discussões, como a reformas tributária e administrativa e o projeto de privatização da Eletrobras, por exemplo.

Entrosados, porém separados

Todo esse debate ocorre com a preocupação de manter as identidades separadas dos poderes Executivo e Legislativo. Ao mesmo tempo em que o governo elogiou o “entrosamento” existente entre os poderes, no documento enviado ao Congresso Nacional, afirmou que a dinâmica de “respeito institucional” continuará em 2020, sinalizando que não há previsão de mudança do modelo atual de relacionamento com os parlamentares.

Custo de insegurança

Reconhecer os limites, agir por prioridades e não controlar a agenda do Legislativo podem ser boas práticas, mas trazem um custo que se faz sentir especialmente na reforma tributária.

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O impasse e o desencontro de informações entre os projetos da Câmara dos Deputados (PEC 45) e um possível projeto do Executivo, que se conhece apenas por boatos e entrevistas de stakeholders, gera uma situação dramática para novos investimentos. Afinal, quem vai colocar dinheiro sem saber quais serão os custos tributários sequer no curto prazo?

Talvez, congelar formalmente a discussão sobre a mudanças de impostos pudesse resolver parte da insegurança e mostrar claramente que a agenda de prioridades do governo ainda é a fiscal. Talvez a estratégia o governo seja exatamente o oposto e aceite empilhar temas sobre a mesa para desviar atenção daquilo no qual esteja realmente investindo.

O que é certo hoje é que há um custo de previsibilidade que inibe até bons resultados de reformas já feitas. O questionamento sobre a convicção liberal de Guedes entre seus colegas economistas é o ápice desse processo.

A boa notícia de fevereiro, portanto, é saber que o governo tem um plano de navegação. A má é que o nível de dúvidas quanto à capacidade de viabilizá-los ainda é muito alto.

Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) – https://capitalpolitico.com/

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