Pode-se até discordar, no mérito, de muito do que vem sendo aprovado, mas é preciso reconhecer: o Congresso Nacional está fazendo o dever de casa. Câmara e Senado chegam ao fim de 2019 com uma extensa pauta de projetos votados, que vai muito além da reforma da Previdência e, sobretudo, reflete a pactuação das forças políticas ali representadas. Longe do papel de carimbador das matérias recebidas do Executivo, como em outros tempos, o Legislativo construiu uma agenda à sua imagem e semelhança, às vezes aceitando as propostas governistas, às vezes rejeitando-as e, em outas ocasiões, retalhando-as — o que é lícito e, muitas vezes, necessário.
Trata-se de um Congresso de maioria conservadora, que imprimiu esse perfil à boa parte dos projetos que aprovou, como a Previdência, o recém-aprovado marco do saneamento e outros. A oposição de esquerda pouco piou, embora tenha participado de votações e acordos nas duas Casas.
Como nunca foi formada uma base parlamentar governista, porém, deputados e senadores poucas vezes foram tão autônomos. Do temor inicial de levar a responsabilidade pela rejeição de matérias da pauta econômica, como a Previdência e a aprovação de créditos para o Executivo – que moveu as primeiras votações – passou a exercer de fato a função para a qual foi criado: legislar.
Posto isso, o que se diz na Câmara e no Senado é que o Legislativo foi aprovado em seu primeiro teste de parlamentarismo branco – aquela expressão que se cunhou há alguns meses, quando ficou marcada a incapacidade de articulação política do governo Bolsonaro no Parlamento. Com poderes reforçados, que serão quase plenos em relação ao orçamento em 2020, deputados e senadores passaram a acalentar a ideia de estarem governando. Será?
Certamente que não. Parlamentarismo branco é mais uma daquelas expressões que nós inventamos aqui em Brasília, que passam a ser muito repetidas mas estão longe de exprimir a realidade. Na verdade, o que vivemos por aqui hoje é o presidencialismo disfuncional de sempre, levado ao limite em suas falhas pela eleição de um presidente inepto, mas que continua com a caneta na mão, o Diário Oficial aos pés e as medidas provisórias e decretos ao alcance para editar as mais bizarras decisões.
O Congresso Nacional pode muito – inclusive suspender decretos e rejeitar medidas provisórias. Mas não pode tudo o que pode – e deve fazer – alguém que foi eleito com a obrigação de governar. Não pode resolver o descalabro da saúde no Rio de Janeiro, não pode evitar o desmantelamento de programas sociais, não pode gerar empregos.
Helena Chagas é jornalista