Bolsonaro disse que não nasceu para ser presidente da República. Ninguém nasce. Presidência da República é destino. Até levar a facada em Juiz de Fora, ele ainda duvidava que se elegesse. Na noite da sua vitória, depois dos discursos de praxe, da confraternização com assessores e coisa e tal, na presença apenas dos filhos e de um amigo, ele chorou copiosamente.
Seu projeto inicial, uma vez cansado de quase 30 anos como deputado federal, era concorrer à presidência para alavancar a carreira política dos três filhos zero – Flávio, então deputado estadual no Rio, Carlos, vereador e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Derrotado, iria curtir a vida com sua mulher, Michelle, e a filha. Não lhe faltaria dinheiro para isso.
Dois anos e pouco depois e em meio a uma pandemia que não soube combater, ou que apostou que passaria se morressem os que tivessem de morrer, está à beira da exaustão e não esconde os sinais disso. Era evidente o prazer que sentia nos encontros diários com grupos de devotos à saída do Palácio da Alvorada para ir trabalhar e à chegada. Nos últimos dias, não disfarça sua irritação.
Reclamou de perguntas que lhe fizeram. Reclamou de uma mulher que interrompeu a sua fala e de outra que lhe pediu uma foto. Reclamou de um homem que quis saber o que ele poderia fazer para tirar seu Estado, o Rio de Janeiro, da pobreza. Ontem, sem que ninguém o tivesse provocado para isso, renovou as ameaças que costuma fazer com as mesmas palavras de sempre.
“O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência, eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí”, afirmou. “Tem um barril de pólvora aí e tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar. Acho que em breve teremos um problema sério no Brasil.” E voltou a se queixar do Supremo Tribunal Federal.
Quem parece estar no limite é ele. Embora não admita, e jamais admitirá, é suficientemente inteligente para ver que seu governo é um fracasso, e que seu poder de mando só diminui. Montou um comitê para cuidar da pandemia, mas hoje é o ministro Ricardo Lewandowski quem dá as cartas como relator das ações sobre a crise sanitária que dão entrada no Supremo.
O ministro Luís Roberto Barroso empurrou por sua goela abaixo a CPI da Covid. Bolsonaro ainda luta para não digeri-la, mas pouco tem a fazer, salvo abrir os cofres para a compra futura de votos que se disponham a socorrê-lo. Os bolsonaristas radicais, esses continuam sob o jugo do ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito que investiga seu mau comportamento.
O país segue sem Orçamento, o ministro Paulo Guedes, da Economia, capenga sob fogo amigo, e o Centrão não abre mão dos bilhões de reais reservados para o pagamento de emendas parlamentares e construção de obras em redutos eleitorais de deputados e senadores. O que Bolsonaro pode fazer? Pedalar a Lei de Responsabilidade Fiscal? Arriscar-se a ser pedalado?
Algo como um terço dos brasileiros eleitores ainda se dizem fiéis a ele, mas segundo a mais recente pesquisa do Poder Data, se o segundo turno da próxima eleição presidencial fosse agora, Lula derrotaria Bolsonaro por 52% dos votos a 34%, e ele também perderia para Luciano Huck por 48% a 35%. Contra João Doria, Ciro Gomes e Sérgio Moro, empataria.
O Supremo, logo mais à tarde, julgará ações que definirão o futuro de Lula. É certo que confirmará a suspensão de suas condenações, o que lhe assegura o direito de candidatar-se no ano que vem. É provável, apenas provável, que mantenha a decisão da Segunda Turma que considerou Moro suspeito na condução dos processos que envolveram o ex-presidente. A conferir.
A certa altura do ano passado, Bolsonaro torcia em silêncio para enfrentar Lula em 2022. Nos seus cálculos, seria reeleito com a ajuda do antipetismo. O agravamento da pandemia e da crise econômica obrigou Bolsonaro a refazer os cálculos. Lula é seu mais poderoso adversário. O antipetismo perdeu fôlego. E o centro está fragmentado, o que facilitará a vida de Lula.
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