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Por Coluna
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As armadilhas geopolíticas das Américas (por Marcos Magalhães)

Nosso vizinho mais importante respira

Por Marcos Magalhães
Atualizado em 18 nov 2020, 20h03 - Publicado em 11 ago 2020, 12h00

Parece capítulo repetido de uma antiga novela, dessas que as emissoras de televisão exibem durante a pandemia. Mas é notícia nova: a Argentina conseguiu concluir a renegociação de sua dívida externa privada. Apesar da crise, nosso vizinho mais importante respira.

Ainda existe uma ladeira bem alta a escalar. O governo argentino prepara-se, no momento, para uma longa jornada de renegociação de sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), calculada em US$ 44 bilhões.

O objetivo é ganhar tempo e postergar pagamentos que vencem entre 2021 e 2024. Uma negociação que envolve eventos políticos importantes, como as eleições dos novos presidentes dos Estados Unidos e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Gerações

Os brasileiros mais jovens não estão muito familiarizados com o tema. Os mais antigos se lembrarão de como os jornais noticiavam cada passo da renegociação da dívida externa promovida – com sucesso – pelo negociador Pedro Malan durante o governo do então presidente Itamar Franco.

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Sem a renegociação da dívida não havia espaço para iniciativas econômicas mais ousadas. O próprio Plano Real veio depois, trazendo a gerações habituadas à hiperinflação uma moeda relativamente civilizada. O problema continua atual na Argentina. Do outro lado da fronteira a inflação do primeiro semestre de 2020 foi de 13,6%, apesar da crise. Nos últimos 12 meses chegou a 42,8%.

A notícia da renegociação da dívida privada foi recebida pelos argentinos como um alívio. Ao anunciar o acordo, o presidente Alberto Fernández agradeceu a compreensão dos credores e lembrou que seu país deixará de desembolsar US$ 37,7 bilhões nos próximos dez anos.

“Recuperamos autonomia de decisão e de definir que país queremos”, celebrou Fernández. “Dissemos que iríamos gradualmente colocar o país de pé e que a dívida, que era um enorme condicionamento, não ia nos impedir de alcançar um processo de desenvolvimento. Queríamos voltar a ser melhores do que éramos, e estamos voltando e sendo melhores do que éramos”.

Distanciamento

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Em outros momentos, o próprio governo brasileiro poderia celebrar o entendimento. Afinal, os dois países ainda têm uma forte relação comercial e são cofundadores do Mercosul, talvez – apesar das evidentes falhas – a mais bem sucedida iniciativa de integração da América do Sul.

Mas os tempos são outros. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro o Mercosul deixou de ter papel de destaque na política externa. E o líder brasileiro nem chegou a cumprimentar Fernández após a sua eleição. Bem ao contrário, disse publicamente que os argentinos haviam feito uma má escolha.

Os dois países experimentam um distanciamento inédito em 30 anos, período marcado pela existência do Mercosul. Talvez porque Bolsonaro veja no colega argentino uma espécie de último representante da onda de esquerda que havia predominado na região durante o período dos governos do PT no Brasil.

Por isso a negociação argentina com o FMI provavelmente também passará longe das preocupações de Brasília. Elas deverão envolver, no entanto, duas personalidades com as quais Bolsonaro não parece ter muita afinidade: Joe Biden e o Papa Francisco.

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Pode ser que Donald Trump se reeleja em novembro. Nesse caso, a negociação argentina com o FMI pode vir a esbarrar na oposição de Washington. Afinal, as relações entre ele e o presidente argentino não são exatamente calorosas.

Se Joe Biden ganhar as eleições, por outro lado, Fernández pode conquistar um aliado. Essa aproximação contará com o apoio do Papa Francisco. Segundo o site econômico Infobae, o papa tem uma relação pessoal e política com Biden e o ajudou a estabelecer nova ponte com Havana quando ele era vice-presidente de Barack Obama.

Foi o primeiro gesto de aproximação entre Estados Unidos e Cuba desde a Crise dos Mísseis, em 1962. Segundo a publicação, caso Biden seja eleito, Fernández passará a ter acesso muito mais fácil à Casa Branca, o que facilitará um futuro acordo com o FMI.

BID

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Um dos motivos que afasta Trump de Fernández é o de que o líder argentino trabalha contra a intenção de seu colega estadunidense de indicar o novo presidente do BID, maior banco regional do mundo, com capital de mais de US$ 100 bilhões. O nome apoiado por Trump é o de Mauricio Claver-Carone, seu conselheiro para assuntos hemisféricos e defensor de uma linha dura contra Cuba.

Tradicionalmente a presidência do banco é ocupada por um latino-americano. Mas Trump resolveu quebrar essa tradição. Para isso, conta com o apoio de países como o Brasil. Em nota divulgada em junho, o Itamaraty informou que o governo brasileiro “recebeu positivamente” a candidatura norte-americana.

“O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito”, diz a nota. “O Brasil defende nova gestão do BID condizente com esses valores e com o objetivo maior de promoção do desenvolvimento e da prosperidade na região”.

Tudo ia muito bem para Trump até que surgiu um movimento para adiar as eleições à presidência do banco, inicialmente marcadas para o próximo mês. Segundo proposta apresentada por países como Argentina e Chile, com apoio da União Europeia, as eleições seriam adiadas para 2021, quando já se conhecerá o novo ocupante da Casa Branca.

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Lados opostos

A atual geopolítica das Américas parece colocar Argentina e Brasil em lados opostos. Bolsonaro defende abertamente a reeleição de Trump e apoia o candidato de Washington à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Fernández torce por Biden e quer manter a tradição com a presença de um latino-americano à frente do banco.

Tudo isso no momento em que a Argentina, principal sócia do Brasil no Mercosul, procura equacionar sua dívida externa para voltar a crescer. E também no momento em que o Mercosul se prepara para negociar conjuntamente acordos comerciais com outros países e blocos comerciais.

Até aqui o governo de Jair Bolsonaro faz uma aposta ousada na aproximação com Trump e se afasta, por ideologia, da Argentina de Fernández. Os ventos políticos podem mudar na região. E o Brasil corre o risco do isolamento.

 

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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