Chega em casa perto das 11h. Cansada. Programando banho, chá e cama. Sobre o balcão da cozinha reina pequena caixa de papelão, tipo entrega rápida pelo correio. Nome do remetente rasgado. Só parte do endereço – Botafogo, Rio de Janeiro/RJ. Ok. Tem filha, ex-marido, ex-namorados e amigos no Rio. Ninguém residente em Botafogo. Mas não é relevante.
Sobre a caixa anotações em letra de forma registrando datas anteriores de tentativas de entrega. Quem resistirá a uma caixa fechada que chega insistente pelo correio?
Lacradíssima. Mil e uma fitas adesivas rompidas, pula de dentro a ameaça: Você vai morrer de algo que gosta. (Fosse anos 70/80, pensaria em sexo, drogas, rock. Hoje, não).
Na pontinha dos dedos, balança pra ver se cai algum pó. Você não é nenhum espião russo, vivendo (des) protegido na Inglaterra. Mas, nos dias de hoje, o que não falta é alguém querendo matar outro alguém. Vai que chegou sua hora?
Não há pó visível. Estará no pacote embaladíssimo em plástico bolha com voltas e voltas de fita adesiva?
Melhor ter precaução. Luvas descartáveis devidamente calçadas, tesoura em punho, lá vai você vencer a paúra, as fitas e as bolhas. Surgem dois cinzeiros de louça branca onde, nas bordas e impresso em preto, vem a saudação: Viva o câncer de laringe!
Ploft! Lá vão as peças jogadas de volta pra caixa que é confinada em várias sacolas de plástico e levada ao jardim no ponto mais distante da casa. Mesmo destino alcança as luvas.
Balcão, mãos e tudo que, imagina, teve contado com a caixa maldita são devidamente embebidas em álcool, cuja garrafa vazia é também sufocada em outras sacolas de plástico, amarradas e lacradas.
Pensa: se jogados ao solo, plásticos descartáveis gastam séculos pra desaparecer, haverão de lhe salvar de veneno e maldição vindas por mala postal.
Banho – bem quente. Roupas na máquina. Sem economia de sabão e desinfetante.
Esterilizada, passa à divulgação da ameaça. Primeiro ao grupo do zap mais íntimo. Perplexidade e perguntas “confortadoras”: Ta sozinha em casa? Algum sintoma de envenenamento?
Pronto. Imediatamente sente formigamento nas mãos. Informa à filha, que, assustada, sugere ida ao PS mais próximo.
– Encontro vc lá, promete e indaga sobre sintomas: Mãos inchadas? Vermelhas? Falta de ar?
– Não.
– Então liga pro seu médico e pra um advogado.
O médico não atende. Cauteloso, o advo lança dúvida: Não será só uma brincadeira de mau gosto? Alguém que odeia seus cigarros, por exemplo?
Indignada, devolve: Na minha casa? Isso é invasão de privacidade, no mínimo. Ele aceita o argumento. A sobrinha promotora também. Ambos aconselham: Leve o material (atômico?) à polícia. Faça boletim de ocorrência. Assim, no mínimo, devolve a aporrinhação para o remetente.
Noite longa. Sem café da manhã, antes das 9h, a sacola com a caixa assassina vai para o porta malas, devidamente protegido com boa porção do melhor saco de lixo disponível na dispensa. Direto para delegacia.
Nem responde ao bom dia do policial. Despeja sobre a mesa a sacola e a queixa: Recebi ontem, em casa, essa ameaça de morte. Veio pelo correio.
Olhos postos nas camadas todas do embrulho – guardando distância -, o polícia indaga: Bomba?
– Não. Ou eu já estaria morta. Um papel, dois cinzeiros … blábláblá blábláblá…
Descamando sacolas o policial chega à caixa, aos cinzeiros. Há um documento fixado no fundo da caixa.
Descola, abre.
– Esta endereçado ao Senhor Coisinha de Tal. Conhece?
– É meu filho. Mas não mora em casa faz tempo.
O polícia complementa: O remetente é André Dahmer, do Rio. Conhece?
– Não. Diz e tenta buscar no melhor de seus neurônios onde já ouviu esse nome?
O polícia percebe a dúvida e sugere: Que tal ligar pro seu filho?
Meio prevendo mico, você dá as costas e liga.
– Filho… (Explica a história).
Ouve a resposta e urra: Filhodaputa!
Respira. Vira-se pro polícia que segura os cinzeiros e o riso. Séria, pede desculpas: Esquece. Foi meu filho…
– Entendo. Foi ele o autor da ameaça-de-morte? … (Precisava tripudiar?)
– Foi. Pode jogar fora essa mer…. digo, os cinzeiros? Por favor.
Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreve sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano – relevantes ou nem tanto