A verdade acima de tudo (por Gaudêncio Torquato)
Que os nossos governantes saiam da redoma e caiam na realidade
A mentira é uma das maiores pragas da Humanidade. Tão devastadora de reputação e tão danosa ao espírito do tempo quanto esse vírus que mata pelo planeta. Constatamos que, enquanto a ciência avança, a tecnologia descobre trilhas do progresso biológico, contribuindo para o aumento da vida útil dos seres humanos, mas a mentira e suas variantes ganham volume nas narrativas absurdas dos oportunistas. Tristes tempos.
A mentira sempre pontuou nas dobras da história, principalmente na política e nos negócios. Perfis vestidos com o manto da mentira surgem para vencer adversários, subornar, aumentar poder, derrotar a ética e a moral. Até santuários que deveriam dar exemplo das virtudes continuam a ser espaços de ilicitudes, como seitas, credos religiosos, onde ocorrem horrorosos casos de “venda da fé”, promessas de um bom retiro celestial.
Sócrates pregava: “só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem”. Mas a maldade resiste ao longo do tempo.
Exemplos? Maquiavel, cardeal Mazarino, Alexandre VI, conhecido como Rodrigo Bórgia, o 214º papa da Igreja Católica (que vendia indulgências), Hitler, Mussolini e por aí vai. Mazarino ganhou o título de monsenhor sem nunca ter sido padre e o título do papa, em 1632, com a missão de realizar missões diplomáticas. Político, seria entre nós um “coronel dos coronéis”, ou um Dom Corleone, o chefão da máfia. Sua cartilha continha cinismo, falta de escrúpulos, táticas de emboscada e embuste, falsidade e dissimulação. Eis seus cinco preceitos: simula, dissimula, não confies em ninguém, fala bem de todo mundo e prevê antes de agir.
A moldura da mentira se expande nos Palácios e nas antecâmeras do poder, encoberta por nomes de assessores, auxiliares, enfim, integrantes de “gabinetes de ódio” e similares. Notícias falsas enganam pessoas que não verificam sua fonte. Até a vacinação contra a Covid-19 é rejeitada por milhares, que comungam pelas mãos de mentirosos, incluindo governantes.
As redes sociais viram vitrines do ego, divulgando falsa propaganda de perfis felizes, trocando vitupérios, ignorando os danos que fazem à Humanidade. A ignorância é cultivada e celebrada.
Vale pinçar a alegoria da caverna, de Platão, para argumentar que o ser humano regride constantemente, a ponto de viver como prisioneiro da caverna, apesar da informação e do conhecimento à disposição. Somos prisioneiros da preguiça intelectual, característica de nosso tempo. A política, a sociedade e a vida comum deixam de ser prioritárias, como se a existência de cada um fosse mais importante que a sobrevivência social. Buda já dizia: “O conflito não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância.”
Um sinal de esperança pontua no horizonte. O democrata Joe Biden foi auspicioso ao se comprometer com o resgate da verdade: “As semanas recentes e os meses recentes nos ensinaram uma lição dolorosa. Existe a verdade e há as mentiras.”
Esperemos que a verdade seja o lume de nossas consciências. E que os nossos governantes saiam da redoma e caiam na realidade. Joguem no lixo da história, mandatários, o véu mistificador com que engabelam as massas.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político