A tragédia da intolerância
Intolerância é a aversão aniquiladora dos dessemelhantes (“nós” e “eles”).
Data da liberação do campo de extermínio nazista, Auschwitz-Birkenau, 27 de janeiro de 1945 demarca O Dia Internacional da Lembrança do Holocausto (resolução 60/7 da ONU).
Tenho razões humanitárias e afetivas para compartilhar da dor universal daquela monstruosidade e refletir sobre a semente que fez germinar o terror genocida: a intolerância.
Intolerância é a aversão aniquiladora dos dessemelhantes (“nós” e “eles”). Segundo Umberto Ecco, é um caráter inato enquanto que tolerância é um caráter adquirido pela permanente educação e por uma política vigilante em relação aos direitos humanos, universalmente consagrados.
Olhada em perspectiva, a força devastadora da intolerância está registrada por John Gray, em Cachorros de Palha: “entre 1492 e 1990 houve, pelo menos, 36 genocídios; desde 1950, foram 21, em três, com mais de um milhão de vítimas (Bangladesh, Camboja e Ruanda)”.
A sensação dolorosa revela que, assim como a ciência e a tecnologia avançaram, aumentou, também, a proficiência em matar.
Com efeito, a intolerância é mais grave do que sistemas ideológicos de qualquer natureza porque invade as consciências com a indiferença (que é a “fraqueza” da tolerância) e a indiferenciação (que é a cômoda negação da diversidade); porque é sutil ao impor a praga fundamentalista do politicamente correto; porque aproveita as brechas do paradoxo da democracia.
O que vem a ser o paradoxo da democracia? A possibilidade de permitir a conciliação com potenciais algozes, os sujeitos da tirania.
Apesar da fragilidade, somente mais democracia revela-se capaz de combater a intolerância, hoje, um espectro global e multiforme de xenofobia, homofobia, racismo e opressão generalizada contra todas as minorias.
Tragédia é conciliar com o ódio da intolerância que devasta civilizações.
Neste sentido, cabe salientar os dados mostrados por Per Ahlmark em A intolerância (Ed. Bertrand Russel, RJ: 2.000, pags 128/9): “É impossível identificar uma única guerra entre Estados democráticos, a partir de 1815 […] 155, democracias contra não-democracias; 198, não-democracias contra democracias; zero, democracias contra democracias […] 52 países participaram da II Guerra Mundial, entre as quais 15 democracias que nunca abriram fogo entre si […] Os três impérios ‘assassinos’ produziram 62 milhões de mortos em situação não-beligerante (URSS), 35 milhões (China), 21 milhões (Alemanha nazista).
Apesar dos defeitos, as democracias criam “zonas de paz” e, embora sofrendo na pele as dores do autoritarismo, Vandré ensinou: “Gado a gente marca/Tange, ferra, engorda e mata/Mas com gente é diferente”.
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco