Operação como a ocorrida nessa terça-feira (26), no Rio de Janeiro, não se monta do dia para a noite. No caso da busca e apreensão em endereços do governador Wilson Witzel, sabe-se que os mandados foram expedidos no último dia 21, como fecho de uma investigação em curso há mais tempo.
Não se pode atribuir, portanto, influência das mudanças recentes na Polícia Federal na operação. Há notícias de desvios de recursos públicos destinados em caráter emergencial para o enfrentamento da Covid-19 e já se supunha que havia investigações em curso.
Dada a desfaçatez de roubo em cenário de calamidade com mais de 20 mil mortes, as investigações se tornam prioritárias e espera-se que cheguem aos criminosos em todos os níveis. No caso do Rio, consta que os hospitais de campanha prometidos sequer foram entregues.
A Polícia Federal, em que pese sua excelência, é refém daquela máxima política de que os fatos são superados pelas versões. E paga esse preço pela iniciativa do presidente da República de promover mudanças na instituição ao custo de sacrificar seu ministro da Justiça – agora, seu acusador. Daqui em diante, sempre haverá suspeita de que a corporação possa agir politicamente.
Para agravar esse quadro, a deputada Carla Zambelli (PSL), deu entrevista de véspera, sugerindo ter conhecimento antecipado não só da operação no Rio, como de outras em curso país afora com o mesmo objetivo. Acrescentou inclusive o nome de batismo dessas operações: “Covidão”. E acrescentou que são operações contra governadores.
Não é possível avaliar essas declarações da deputada fora do contexto de conflito entre o presidente da República e os governadores, explicitamente ofendidos por ele na reunião ministerial do dia 22, em que também disse se abastecer de serviço de inteligência próprio para suprir a omissão dos oficiais em defesa de sua família e de amigos.
Na mesma reunião, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, já antecipara que governadores seriam presos.
Carla Zambelli atuou como intermediária entre o presidente e o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, e também da ex-secretária de Cultura, Regina Duarte, sem que fosse desautorizada. São duas vozes de governo – uma ministra e uma parlamentar-, indicando terem informações antecipadas de investigações posteriormente materializadas.
A PF já está às voltas com problema semelhante desde a denúncia do empresário Paulo Marinho sobre vazamento na superintendência do Rio em favor do senador Flávio Bolsonaro. Em tal cenário, se pode dizer que o assédio político à corporação pôs a Polícia Federal na berlinda.
O senador Flávio Bolsonaro disse publicamente que o governador Witzel deve se preparar para um tsunami. A informação, disse ele, é anônima, “conversa de botequim, pois eu não tenho informação privilegiada”. Mas, certamente não é de botequim.
O veneno da suspeita está inoculado. Há espaço para todo tipo de especulação. O serviço de Inteligência pessoal a que se referiu o presidente pode ser paralelo, pode ser infiltrado, pode ser militar, pode ser policial. O país começa a viver um ambiente de espionagem política em que se misturam os serviços de inteligência particulares, de Estado e de governos.
No início do governo de Michel Temer, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, alertou o presidente para a atomização dos serviços de inteligência do país.
Da Abin às polícias militares, passando pela Polícia Federal e Forças Armadas, cada um tem o seu e a desconfiança entre todos impede a sinergia que deveria existir em favor do Estado.
Essa fragmentação agora tende a se cristalizar, pelo menos, por um bom tempo. As falas presidenciais, de sua ministra e da deputada, associadas à suspeita, mesmo que infundada, em relação à operação contra o governador Witzel, já produziram uma retração no universo político. Todos veem em seus interlocutores um espião em potencial.
E no governo federal um predador da política.
João Bosco Rabello. Jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública.