No domingo passado, meu artigo “Pensar global e Agir local” explorou, conceitualmente, a dialética contemporânea que busca convergências entre duas realidades aparentemente distantes e contraditórias. Cabe, então, enfatizar o elo supostamente mais fraco desta conformação, o poder local, no que ele tem de força transformadora.
O poder local pode ter vários desenhos político-institucionais. No caso brasileiro, este poder se encontra definido como o Município, ao lado do Estado e da União, poderes autônomos com competências específicas, concorrentes ou exclusiva, conforme determina a CF. São três esferas autônomas de poder, uma República Federativa (Constituição de 1891), obra de Ruy Barbosa, inspirada no modelo americano, mas na prática, não passa de grotesca imitação.
Não cabe, aqui, analisar os diversos fatores históricos e políticos que explicam as profundas discrepâncias. Para simplificar, basta afirmar que nos EUA, a construção institucional serviu para evitar a fragmentação de uma nação, equilibrando as partes e descentralizando poderes (os Estados e a União) e que, no Brasil serviu para manter o a centralização do poder nas mãos da União. Este centralismo, antifederativo e antidemocrático, tendeu sempre à hipertrofia do poder central, a União.
Nossa Federação é um ralo por onde escoa o dinheiro público: 87% dos 5570 Municípios têm até 20.000 habitantes; 6 municípios não chegam a 1500 habitante com destaque para Borá (SP) e Serra da Saudade (MG) com menos de mil.
No entanto, o poder local possui três excepcionais atributos capazes de transformar do mundo real: 1) o município é a esfera de poder mais próxima e permeável às demandas socais o que permite o gestor conhecer os problemas que afetam a vida das pessoas e, desta forma, definir corretamente as prioridade governamentais; 2) é espaço de poder sensível à influência dos movimentos sociais, habilitados a incorporar as práticas da democracia participativa ao lado dos mecanismos da democracia representativa; 3) na esfera local, é possível viabilizar soluções simples, criativas, mais baratas e eficazes.
Neste sentido, a visão transformadora do poder obedece à regra universal da subsidiariedade segundo a qual as questões de uma sociedade devem ser resolvidas no plano local mais imediato o que, segundo Tocqueville, “expande a liberdade dos cidadãos decidirem sobre o interesse público”.
Por sua vez, força do poder local repousa em princípios. As eleições são o momento propício para o debate. Há muita gente de princípios nos partidos, mas desconfio que haja algum partido de princípios.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda no governo Itamar