Poderiam todas as pesquisas nos EUA estar erradas de novo?
Por causa da monumental surpresa de 2016, só os menos precavidos garantem que não existe dúvida sobre o resultado de terça-feira
Os mais arrebatados antitrumpistas têm um sonho: Joe Biden ganha a eleição de ponta a ponta, limpa a mesa com 400 votos no Colégio Eleitoral, os democratas levam Câmara e Senado e os quatro anos de Donald Trump se transformam numa aberração histórica que farão de tudo para esquecer rapidamente.
Têm também um pesadelo recorrente: multidões de “eleitores silenciosos” sairão de seu mutismo na próxima terça e votarão em Donald Trump, vingando-se do clima “Biden já ganhou” das pesquisas e empurrando o país para outra surpresa acachapante, como a derrota de Hillary Clinton em 2016.
“Uma pesquisa não é uma bola de cristal. Ela não diz quem vai ganhar. Ninguém pode prever o futuro”, previne-se Dhrumil Mehta, do FiveThirtyEight, o badalado agregador de pesquisas.
Na mesma entrevista à NPR, Patrick Murray, diretor de pesquisas da Monmouth University, disse que a grande falha de 2016 foi não prever a volatilidade do eleitorado que chegou à última semana antes da eleição com 20% de indecisos.
Segundo ele, os institutos foram surpreendidos pelo fato de que homens brancos com ou sem ensino superior costumavam votar da mesma maneira, em qualquer dos dois partidos.
Em 2016, houve um descolamento e os sem faculdade, que agora designam até toda uma categoria, os WNC, voltaram-se em massa para Trump.
A divisão continua. Hoje, Trump leva uma média de 60% dos votos dos WNC.
Entre as mulheres da mesma categoria, os números são ligeiramente menores, embora ainda majoritários. A maior diferença é entre mulheres com ensino superior, uma fatia em que Trump fica consistentemente abaixo dos 40%, ou até menos, em todas as pesquisas.
Culpar os eleitores – indecisos, ambíguos, retraídos, silenciosos ou envergonhados – foi e continua sendo a desculpa dos especialistas pelo fiasco de 2016.
Os trumpistas mais entusiasmados dizem que o problema está na base dos dados: muitas pesquisas incluem entre os consultados uma quantidade desproporcional de pessoas que tendem a votar pelo Partido Democrata.
Para tentar cercar o voto secreto, ou que não ousa dizer seu nome, alguns pesquisadores começaram a fazer consultas sobre o círculo social dos entrevistados, abrindo assim uma porta para a declaração de suas verdadeiras intenções.
É claro que os institutos de pesquisas querem acertar e não repetir um vexame histórico. Aprenderam com os erros de 2016 e aperfeiçoaram seus métodos. Teriam enormes prejuízos, morais e materiais, se escorregassem de novo.
“Quando todos nós dizemos que não existe maneira possível que alguém possa ganhar nessas circunstâncias, estamos certos”, avaliou para a Vanity Fair o estrategista democrata Chris Kofinis.
“Exceto por um problema: Trump tem as avaliações negativas mais altas do que qualquer candidato que já vi na história – e ele descobriu um jeito de ganhar em 2016”.
Todos os principais analistas concordam que o grande eleitor de Joe Biden é um agente invisível, o novo coronavírus, responsável por mais de 230 mil mortes, num quadro que continua negativo apesar dos avanços em termos de tratamentos da doença.
A Covid-19 foi transformada numa guerra santa por todos os grandes meios de comunicação. Com exceção da Fox, que peca pelo lado contrário, a agressividade contra Trump é uma coisa nunca vista nos Estados Unidos. Já deixou de ter relação com o jornalismo, mesmo com o arrebatado, às vezes alucinado, jornalismo de opinião.
“Se a questão principal fosse a economia, a conversa seria outra”, avalia Kofinis.
Mesmo eleitores que declaram voto em Joe Biden concordam que Trump seria o mais indicado para recuperar os golpes infligidos pela pandemia ao nível de empregos e à economia em geral. Aliás, o crescimento anualizado do PIB, depois da debacle, passou de 33%, além das expectativas.
Com exceção do Rasmussen, que leva a má fama de prognósticos errados (deu vitória para Mitt Romney contra Barack Obama em 2012), todos os institutos cravam vitória a Joe Biden por margens que vão de cinco a doze pontos.
Como 80 milhões de americanos já votaram pelo correio ou presencialmente, a eleição está decidida, embora ainda não saibamos o resultado.
A campanha de Biden está focada em tocar o jogo tal como se apresenta agora, como nos minutos finais de uma partida de futebol em que o time com resultado positivo só tenta não estragar o placar e deixar o adversário pegar a bola.
Contra o conselho de muitos especialistas, Trump está focado no que mais gosta de fazer, falar a partidários entusiasmados em comícios nos aeroportos onde são montados palanques tendo o Air Force One como parte do cenário.
Faz comentários fora do script e até piadas. Inclusive consigo mesmo.
“Se eu perder, terei perdido para o pior candidato da história da política presidencial”, disse num dos comícios.
“Eu preferiria perder para alguém extraordinariamente talentoso. Pelo menos assim, poderia ir embora e tocar minha vida”.
De terça para quarta-feira, ficaremos sabendo se ele irá embora. Ou tirará da cartola outra vitória completamente fora dos padrões, das previsões, da lógica e, principalmente, das pesquisas.
Para manter o suspense até o fim, as probabilidades de vitória de Biden estão em três para um – mas nas casas de apostas, nos últimos dias, cresceu o número dos que estão cravando na maior guinada de todos os tempos.