Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Mundialista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Vilma Gryzinski
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

O império não acabou

A incompetência da retirada do Afeganistão tem peso relativo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 27 ago 2021, 11h06 - Publicado em 27 ago 2021, 06h00

No movimentado ano 400 da Era Cristã, o comandante-chefe dos Exércitos romanos, Flávio Estilicão, um vândalo por parte de pai — no sentido étnico, embora pela força da profissão também gostasse de quebrar coisas —, retirou as tropas sob seu comando da distante e complicada Britânia. Tinha assuntos mais sérios a tratar, como as invasões dos godos de Alarico que redundariam, uma década depois, no grande saque de Roma. A província britânica não era exatamente uma joia fulgurante na coroa de Roma, mas o início da retirada romana marcou o arco histórico que levaria, em menos de um século, ao fim do Império Romano do Ocidente.

Pela grandeza, pela extensão, pela influência cultural e política, e até pela águia com um feixe de flechas numa das garras, um dos vários símbolos copiados do mais glorioso império da Antiguidade, os Estados Unidos são tradicionalmente comparados a Roma. E não faltam analistas que veem agora na espantosamente malconduzida retirada do Afeganistão a prova que faltava do declínio do império americano. Há um tanto de exagero e outro de wishful thinking, ou expressão de desejo, nos prognósticos sobre o fim próximo da maior superpotência da história. Os EUA continuam a ser a força dominante em matéria de tecnologia, ciência, finanças, poderio bélico e soft power. Sejam as massas destituídas, sejam os programadores bem instruídos, é para a América que as pessoas continuam querendo ir fazer a vida.

“O establishment político, diplomático e militar tem se comportado de maneira patética”

Mas o poder das imagens não deve ser subestimado. O estado de aturdimento demonstrado pela cúpula americana com a rapidez da ascensão do Talibã e os danos autoinfligidos por uma retirada catastroficamente planejada refletem uma falência sistêmica. Não é apenas Joe Biden que parece intimidado e perdido — além de muito mais gravemente comprometido com uma visão alternativa da realidade do que era Donald Trump. Todo o establishment, político, diplomático e militar, tem se comportado de maneira patética, talvez o mais cruel dos adjetivos. Os países que funcionam se governam sozinhos e, quando a elite dirigente escorrega, o desgoverno parece mais chocante.

Embora seja considerado superado e até arcaico, Edward Gib­bon continua a ser o autor da melhor definição sobre o declínio do império romano, cirurgicamente escrutinado na sua obra monumental. “O declínio de Roma foi o efeito natural e inevitável da grandeza imoderada. A prosperidade alimentou o princípio da decadência; a causa da destruição multiplicou-se com a extensão da conquista; e, tão logo o tempo e o acaso removeram os apoios artificiais, o estupendo tecido cedeu à pressão do próprio peso.”

Continua após a publicidade

O mundo com o esgarçamento do “estupendo tecido” do império americano é mais fragmentado e menos ordenado. E prontinho para ser progressivamente deglutido pela China.

Adendo: como era de praxe, Flávio Estilicão foi decapitado por um aspirante a usurpador do trono imperial e passou para a história como um fracassado praticante da realpolitik, tendo sido o homem que “perdeu” a província que eventualmente criaria um império mais extenso do que o romano. O julgamento de Joe Biden e sua pequenez imoderada pode reservar uma sentença mais dura.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.