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O apego à Venezuela

O esquerdismo latino-americano não supera a causa maldita

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 18 dez 2020, 08h45 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00

“Do alto a baixo da escala social reformada, os que se saem melhor são os mais servis, os mais covardes, os mais subservientes, os mais indignos. Todos os que erguem a cabeça são dobrados ou deportados.” André Gide escreveu isso em 1936 e suas palavras ainda ecoam através do tempo como exemplo do choque de um crente nas ideias grandiosas do comunismo com a realidade da coisa na prática. Tendo coincidido uma visita à União Soviética com as homenagens fúnebres oficiais a Máximo Gorki, ele se desiludiu com o que viu — e levou muita pancada por expressar isso. O escritor francês virou um caso raro de simpatizante do comunismo que teve a honra de não aceitar a propaganda em nome da salvação da humanidade, a missão messiânica da qual as esquerdas sempre se viram imbuídas. Quase um século depois, em escala cucaracha, a cegueira autoinfligida se repete em relação à Venezuela. O populismo sem povo, a distribuição da riqueza que só produz pobreza e, agora, a eleição sem eleitores — só 30% se deram ao trabalho de votar no espetáculo grotesco armado pelo madurismo — não bastam para convencer a esquerda latino-americana de que a defesa do regime venezuelano é uma causa prejudicial a seus próprios interesses, um presente para a direita, uma vitrine constante de todas as desgraças que o falso igualitarismo bolivariano pode produzir.

“É difícil romper as amarras do culto aos caudilhos populistas e o antiamericanismo infantil”

As explicações para o tolo apego a uma causa escandalosamente fracassada estão entranhadas no inconsciente profundo do esquerdismo à moda latino-americana, formatado pelo culto aos caudilhos populistas e o antiamericanismo infantil. Romper essas amarras é quase como romper consigo mesmo — ou, pelo menos, com as ilusões cultivadas ao longo de vidas inteiras. Mas até pelos padrões avacalhados de Fidel Castro e Hugo Chávez, Nicolás Maduro é um personagem do qual a esquerda deveria se envergonhar em lugar de justificar ou até exaltar como um farol da resistência. Não seria nada impossível defender propostas esquerdistas e rejeitar o pastiche de bolivarianismo comandado por Maduro na Venezuela, com o povo passando fome e os figurões do regime se refestelando no bem-bom. Para isso seria necessário ter apenas um pouco da têmpera de André Gide, a voz dissidente nos meios intelectuais totalmente subservientes ao stalinismo. Ou talvez até um pouco das dúvidas que assolaram Gorki, eleito escritor oficial pelo próprio Stalin, no fim da vida.

Tendo sido mandado para fora de casa aos 8 anos para ganhar o próprio sustento, experimentando tormentos em escala épica, não conseguiu ficar longe da pátria e aceitou voltar já em 1932, quando o grande terror estava sendo montado. Ao morrer, por causas que até hoje não foram terminantemente esclarecidas, com um mar de suspeitas de que o “laboratório dos venenos” da polícia política teve a palavra final, foi beatificado no panteão comunista. “É melhor morrer caminhando do que apodrecer no mesmo lugar”, diz um dos personagens de seu clássico Pequenos Burgueses. Tragicamente, Gorki acabou ficando com a segunda opção, deixando uma mensagem para os que têm medo de deixar para trás certezas absolutas apodrecidas pela realidade.

Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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