Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Mundialista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Vilma Gryzinski
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Kanye West vai fundo: reparem na Janela de Overton de Kim

Discutir opiniões de artistas é um risco, ainda mais de um esperto manipulador como Kanye West. Mas qual a graça de uma vida sem riscos?

Por Vilma Gryzinski 10 Maio 2018, 07h25

Quando um cantor que é famoso por ser famoso, como Kanye West, além de casado com a mulher que tem o derrière mais conhecido do mundo, começa a manifestar ideias políticas e culturais que jogam tudo pela janela, alguma das alternativas está acontecendo:

  1. Pirou. De novo, no caso de Kaye, internado com graves alterações no fim de 2016.
  2. A fama subiu-lhe à cabeça e se acredita um enviado para mudar o mundo.
  3. A janela pela qual está jogando tudo é a de Overton, invocada quando uma ideia muito fora do padrão acaba sendo incorporada ao que é socialmente aceitável.

Um exemplo da Janela de Overton (nome do criador do conceito, Joseph Overton)  relacionado à manipulação da opinião pública.

Os defensores profissionais da liberação das drogas “venderam” habilmente um remédio que tem o mesmo princípio ativo da maconha. Mesmo que aplicada apenas a um número ínfimo de doentes, a substância foi associada a “remédio”, uma coisa boa, e não a drogados, traficantes, crime, descalabros comportamentais ou simplesmente bobeira.

Nenhum político das últimas décadas escancarou mais a Janela de Overton do que Donald Trump.

Ao passar o trator em conceitos politicamente corretos, ele empurrou os Estados Unidos (e o resto do mundo, como sempre) para uma série de questionamentos – pelo menos entre os que aspiram a alguma honestidade intelectual.

Trump pode simultaneamente bombar a economia, controlar a imigração, desnuclearizar a Coreia do Norte, mostrar a irrelevância do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e encostar o Irã dos aiatolás na parede?

Continua após a publicidade

Algumas dessas coisas já estão acontecendo, outras podem vir a acontecer.

Mas Trump conseguiria mudar as regras do debate? Com uma cobertura negativa em mais de 90% de todo o material produzido pelos meios de comunicação sobre ele e seu governo? Com uma oposição autodenominada resistência de todo o establishment intelectual, acadêmico, high tech e artístico?

É aí que entra Kanye West. Por curiosidade nata ou maquiavelismo promocional (por que não uma mistura de ambos?),  o cantor se tornou o mais recente e inesperado integrante da Dark Web Intelectual, a rede de pensadores unidos basicamente pela rejeição aos abusos politicamente corretos (uma reportagem de Bari Weiss no New York Times os chama de “renegados”).

Como Kim Kardashian e suas irmãs bem dotadas, Kanye derrubou a internet com um único tweet: “Adoro o jeito de pensar de Candace Owens”.

O mundo praticamente caiu. Candace Owens é uma profissional do pensamento politicamente incorreto. Comanda uma organização dedicada a promover alguns pilares da filosofia liberal, também conhecida como conservadorismo (responsabilidade fiscal, economia de mercado, livre expressão e outros bichos papões).

Continua após a publicidade

Como Candace, além de jovem, bonita e estonteantemente falante, por acaso é negra, virou uma inimiga de todo o espectro de variedade intelectual que vai de A a B da esquerda americana.

Infinitamente mais famoso do que ela, Kanye foi propelido a essa posição de vilão, com evidente prazer. Passou a elogiar Donald Trump (a quem fez uma visita precursora depois a eleição) e posou para uma foto com o boné vermelho com as letras MAGA , de Make America Great Again.

Um boné maoísta causaria muito, muito menos. Mas Kanye foi mais fundo. Em certo trecho de uma longa entrevista, tirado do contexto e reproduzido por jornalistas preguiçosos, ele disse que falar de escravidão durante 400 anos era “uma escolha”.

No contexto, falou no sentido da escolha pela narrativa da vitimização que paralisa pela eterna repetição. Obviamente, não que a escravidão, com todo seu cortejo de horrores, tenha sido escolhida ou muito menos de que tantos milhões não tenham sido vítimas reais.

Um dos mais refinados analistas do predomínio massacrante da narrativa de opressores versus uma infinita quantidade de oprimidos (sexo, cor, gênero etc etc etc) é o psicólogo canadense Jordan Peterson (35 milhões de visualizações no YouTube, bastante bom para quem não é do show business).

Continua após a publicidade

Peterson também é bom de briga e defende o corte de verbas públicas para a maioria dos cursos de humanas das universidades, “corrompidos pelos neomarxistas pós-modernos”.

Imaginem se ele visse a cópia da cópia que é feita nas universidades brasileiras.

Peterson entrou em outro patamar de fama depois de uma entrevista  a Cathy Newman, do Channel 4, em que destroçou a argumentação medíocre, mas corretamente agressiva, da entrevistadora.

O ponto mais quente foi quando ele falou sobre a multiplicidade de fatores que pesam para as diferenças salariais entre homens e mulheres, inclusive a “agradabilidade”, um fator negativo para quem disputa melhores remunerações.

“Você não é muito agradável. Que bom para você”, disse ele a certa altura. Cathy Newman concordou, com cara nada, nada agradável.

Continua após a publicidade

Como Kanye West, Jordan Peterson pode ser acusado de muitas coisas, menos de ser modesto.

O psicólogo também faz parte da Dark Web Intelectual – uma brincadeira com a “internet das trevas” usada para uma infinidade de crimes.

A invenção foi de Eric Weinstein, um matemático da espantosa tribo dos gênios contemporâneos, depois que o irmão dele protagonizou um caso de grande importância simbólica.

Bret Weinstein teve que pedir demissão como professor de biologia do Evergreeen College, uma universidade de Nova York, por ter considerado errado o seguinte protesto: todos os estudantes, funcionários e professores brancos não iriam ao campus num certo dia, deixando as instalações – e o “discurso”, como prega o jargão –  para as minorias.

Tão progressista quanto os outros colegas, Bret Weinstein argumentou que “conceder” o direito de expressão com base na cor da pele era em si uma forma de discriminação. Em dois meses, estava fora da faculdade.

Continua após a publicidade

Os protestos que impedem professores e convidados, altamente qualificados, de dar aulas ou palestras em diversas universidades americanas são o principal motivo para a criação da Dark Web Intelectual.

A reportagem do New York Times resumiu assim o espírito dominante: “Aqui vão algumas coisas que quem vai a um jantar com a vanguarda da Dark Web Intelectual ouve. Existem diferenças biológicas fundamentais entre homens e mulheres. A livre expressão está ameaçada. As política identitária é uma ideologia tóxica que está dividindo a sociedade americana. E vivemos num lugar  perigoso se ideias assim são consideradas das ‘trevas’.”

Além de Bret Weinstein e, evidentemente, Jordan Peterson, também já foi proibida de falar numa universidade a escritora Ayaan Hirsi Ali.

Holandesa de origem somaliana, ela falou em livros e documentários sobre a opressão imposta a mulheres por regras ou tradições fundamentalistas do Islã, inclusive a mutilação genital de meninas do nordeste da África, como a que sofreu.

Teve que fugir da Holanda para os Estados Unidos, onde se casou com o historiador escocês Niall Fergunson. Mulher, negra e mutilada, ela não se enquadrou no papel de vítima-padrão e foi para o purgatório dos “renegados”.

Outro integrante da rede é James Damore, o programador que expôs os tribunais da inquisição do Google dirigidos aos vilões de nascença – homens brancos.

São todas pessoas interessantes, com formação e informação para participar de qualquer debate no mais alto nível. Aproximar-se dessa turma só pode fazer bem a Kanye West. Ou então tornar suas músicas mais procuradas ainda, apesar de uma tentativas toscas de boicote.

Como ele já é casado com uma das mulheres mais inteligentes do mundo, precursora em “monetizar a fama” e fazer uma fortuna só com umas fotos nas redes sociais (tudo bem, são “aquelas” fotos), Kanye estará à vontade no mundo da janela arrombada de Overton.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.