Joe Biden tem fôlego para enfrentar a pauleira da presidência?
Se conseguir atravessar as barricadas de Trump, ele chegará à Casa Branca com muito traquejo político, mas também sob peso dos 78 anos
Joe Biden é o tipo de político que abraça todo mundo, tem sempre palavras calorosas – ou uma piadinha – à mão, lembra de pessoas que remetem até à última era do gelo e, segundo uma ex-assessora, “pode cair de paraquedas no Casaquistão ou em Bahrain e vai encontrar alguém que conheceu há trinta anos e agora está no poder”.
Problema: passou a campanha toda sem fazer nada disso, primeiro trancado no porão de casa e depois em eventos cuidadosamente controlados, com poucas e distanciadas pessoas em volta – nenhuma delas remotamente parecidas com eleitores comuns – e protegido por uma ou até duas máscaras que ajusta constantemente.
As máscaras são o sinal mais evidente de que está no grupo de altíssimo risco para o coronavírus, pelos 78 anos que completa no próximo dia 20.
Mesmo que o perigo do vírus seja controlado, ainda restam os tropeços verbais, as confusões com dados e números e até os apagões em relação a si mesmo (“Sou Joe Biden e estou concorrendo ao Senado” ou “Sou o marido de Joe Biden” – querendo dizer Jill, sua esposa -; no dia da eleição, apresentou a neta como “meu filho Beau Biden”, morto prematuramente em 2015).
A principal qualidade de Biden, que o destacou como candidato mais cotado desde o começo das eleições primárias, é ser um político de centro.
Os eleitores democratas identificaram e aprovaram essa característica, contrariando várias alas do partido que preferiam candidatos mais dinâmicos e mais à esquerda.
Ele também nunca está a um tuíte de uma crise nacional e tem uma imagem muito mais compatível com o arquétipo de presidente, sem bronzeamento artificial e cabeleira tingida – embora, tal como Trump, tenha feito implante de cabelos.
Com uma vida cheia de tragédias, como a morte da primeira mulher e da filhinha caçula num acidente de trânsito, Biden também desenvolveu – e explorou, dizem os mais céticos – uma empatia evidente por pessoas que sofreram grandes perdas.
Empatia é exatamente o tipo de atitude que Trump nunca demonstrou, principalmente diante de uma crise como a da Covid-19. Os estudos que dissecam o comportamento dos eleitores eventualmente dirão qual o peso disso no resultado apertadíssimo que provocou o tumulto eleitoral ainda a ser decidido.
As palavras cuidadosamente escolhidas que pronunciou ontem, enquanto Trump se entrincheirava em denúncias de fraude, foram um exemplo de contenção e bom senso num momento de agitação e incerteza.
Representar no grande palco da política o papel de avô equilibrado, simpático e piadista, às vezes até inconveniente, evidentemente não bastará para Biden ser um presidente efetivo.
Ainda mais que não terá maioria no Senado e a vantagem democrata diminuiu na Câmara – indícios de que os americanos negaram uma vitória de lavada a Biden e não querem saber das propostas mais radicais da ala progressista do partido, cheia de faturas a cobrar quando.
Quando – e se – cravar uma vitória, mesmo contestadas, a experiência, o traquejo e os contatos como senador desde os 29 anos e vice-presidente nos dois mandatos de Barack Obama serão ferramentas importantes para administrar a maior potência da história num momento de desafio geopolítico, importantes divisões internas e a desconfiança que o eleitorado mais trumpista terá inevitavelmente sobre sua legitimidade.
Quem espera um Joe Biden meio ausente, dando asas livres para todas as coortes de estrelas do firmamento democrata que estão tinindo para assumir posições de protagonistas, talvez vá se decepcionar.
Por trás da imagem de bom velhinho está um político como todos os outros, movido basicamente ao mais poderoso dos combustíveis, a ambição pelo poder.
Biden já havia se aposentado – e desistido da miragem presidencial – quando a nova oportunidade bateu à sua porta.
Atendeu correndo, mesmo sabendo que, ao fim do mandato, teria 82 anos – para dar uma ideia, os Estados Unidos estavam há apenas um ano na II Guerra Mundial quando ele nasceu, em 20 de novembro de 1942.
O jornalista Evan Osnos, que lançou uma biografia deslumbrada sobre Biden, gosta de contar uma anedota.
Joe Biden e um ministro inglês encontram-se e começam a conversar cordialmente. O ministro pergunta ao vice-presidente como deveriam se tratar, fora dos regulamentos protocolares. Biden olha em volta e responde em tom conspiratório: “Parece que estamos sozinhos. Então, por que não me chama de senhor presidente e eu o chamo de senhor primeiro-ministro?”.
A anedota está perto de virar realidade, os Estados Unidos poderão ter o presidente de idade mais avançada da história e Joe Biden, enfrentará quatro anos de pauleira no posto mais importante do mundo.
Provavelmente já pensando na reeleição em 2024.