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Donald Targaryen e suas múltiplas crises: equilibrista do abismo

China, Irã, Coreia do Norte e Venezuela são as encrencas internacionais simultâneas, fora o surto migratório incontido. E Trump? Energizado como nunca

Por Vilma Gryzinski 17 Maio 2019, 10h06

Fica combinado: depois de domingo, nunca mais faremos comparações com Game of Thrones. Principalmente as que colocam a cabeleira loira e o estilo incendiário de Donald Trump na mesma categoria à qual a infeliz guinada narrativa conduziu Daenerys Targaryen.

Quando a série era sobre poder e não bobagens novelescas, o eunuco Varys, o chefe de serviço de espionagem ingloriamente incinerado, teve uma das suas muitas frases lapidares: “Eu escolho meus aliados cuidadosamente e meus inimigos mais cuidadosamente ainda”.

Parece Maquiavel, mas a versão mais conhecida é do U2, em Cedars of Lebanon.

O método de Trump para escolher inimigos não pode ser considerado irracional, apesar da imensa torcida, nacional e internacional, para que dê tudo errado e ele se comprove um maluco a ser retirado de camisa de força – ou algemas, ou ambos – da Casa Branca.

A teoria do governo de malucos sustenta que Trump comprou brigas demais e ao mesmo tempo. E qualquer uma delas pode degenerar em explosão financeira ou bélica.

Com as turbinas ligadas e o nariz firmemente direcionado para a eleição presidencial do ano que vem, Trump não dá o menor sinal de stress.

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Ao contrário, segundo reconheceu amargamente um de seus mais virulentos críticos, Joe Scarborough, apresentador de um programa de comentários políticos, está parecendo “vinte anos mais jovem” do que os dois principais pré-candidatos da oposição, Joe Biden, 76 anos, e Bernie Sanders, 77. Trump tem 72.

A crise mais quente, no momento, é com o Irã. Trump escolheu cuidadosamente reacender essa inimizade, contra a vontade de todas as outras potências, satisfeitas com o acordo que prorrogava o potencial iraniano para fazer e entregar bombas nucleares.

Curiosamente, Trump manteve a promessa de sair do acordo e negociar um melhor. A parte de negociar ainda está longe.

Mas as novas sanções americanas, que imobilizam os demais signatários do acordo pelo simples motivo de que os Estados Unidos são uma hiperpotência e os outros não, estão pesando num país já encrencado, com inflação de 50% e alto custo das intervenções externas (Síria, Líbano, Iêmen, Gaza).

Para complicar, ou talvez explicar várias das movimentações atuais, os Estados Unidos estão esperando o fim do ramadã, a quaresma dos muçulmanos, para anunciar a proposta de paz entre Israel e palestinos, encomendada por Trump ao genro, Jared Kushner, com a premissa de não repetir as pouco bem sucedidas iniciativas do passado.

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O deslocamento de mísseis convencionais iranianos em embarcações ou bases terrestres no ponto G do petróleo, o Golfo Pérsico, colocando tropas americanas em seu raio de ação, seja com objetivos agressivos ou defensivos, provocou a reação do gigante americano: envio do porta-aviões Abraham Lincoln, de bombardeiros B52 e de mensagens tonitruantes.

Só para lembrar: nenhum dos dois países quer um conflito bélico, mesmo que terceirizado. Donald Trump não será conduzido a uma guerra que não quer por seus falcões, John Bolton (“Bigode”, ironizou o embaixador iraniano em Londres) e Mike Pompeo, o secretário de Estado que foi ao Iraque avisar que as diferentes militâncias xiitas vão se ferrar se não tomarem cuidado com a aliança com o Irã.

Trump não é George W. Bush e Bush não foi “enganado” por assessores belicosos a se afundar no barro da invasão do Iraque. Era o que queria fazer e fez, com os resultados conhecidos.

Os altos comandos militares americanos querem menos ainda um novo conflito de solução indefinida, exceto pelo uso da força numa escala que ninguém aceita.

O que não significa que não aproveitem para, responsavelmente, tirar uma casquinha e pedir o que militares, de todos os tempos e lugares, mais desejam: verbas. Mesmo com 750 bilhões de dólares no último orçamento.

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Aliás, o mais recente relatório da Fundação Heritage sobre o estado das Forças Armadas avisa que perderam capacidade de sustentar o que sempre foi um objetivo estratégico do planejamento militar: manter duas guerras “importantes” ao mesmo tempo (obviamente, não com potências nucleares).

Além da eterna reclamação de falta de verbas, o relatório aponta outro problema: o recrutamento está encolhendo.

Este é um dos pontos em que, incrivelmente, o sucesso cria problemas. Com a economia aquecida e o mercado de trabalho no limite, diminuem também os candidatos ao serviço militar, uma opção tradicional de jovens com escolaridade média e empregabilidade baixa.

Em outra ironia, o sucesso da política econômica de Trump e do emprego farto ajudam a atrair as multidões de imigrantes irregulares em números sem precedentes.

O presidente que se elegeu com base na proposta de fazer um muro bem alto e bem bonito para controlar o fluxo incontrolável na fronteira com o México está vendo o movimento aumentar. Em abril, foram apreendidas 109.144 pessoas na fronteira, o maior número desde 2007.

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A economia de 21 trilhões de dólares, com o milagre do crescimento sem inflação, é uma atração irresistível.

Eta problema bom, diriam os afligidos por números anêmicos, resultados lúgubres e desemprego crônico.

Trump evidentemente sabe que a janela de oportunidade criada pela economia forte está aberta para comprar a briga comercial com a China. Até entre antitrumpistas de raiz, porém racionais, existe consenso que o roubo maciço de propriedade intelectual, entre outros abusos chineses, precisa ser controlado.

“A pior coisa que se pode fazer numa negociação é parecer desesperado. O cara do outro lado cheira sangue e você está acabado”, prescrevia ele em The Art of the Deal.

No livro ele também diz que leu dezenas de livros sobre a China, ganhou muito dinheiro em negócios com chineses e conhece o padrão de pensar deles.

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Na época, estava falando de negócios imobiliários, o cerne de sua fortuna. No ano passado, ele declarou uma renda de no mínimo 434 milhões de dólares – esta declaração, que não é a feita para a Receita, baseia-se em faixas.

Seu patrimônio total continua trancado, mas suficiente para fazer dele o presidente mais rico da história dos Estados Unidos

Claro, Donald Trump é bobo. Espertos são os que acreditam na versão espalhada pelo New York Times, com base em declarações de renda da década de noventa passadas por uma fonte, de que ele é um enganador e perdedor porque registrou um baque contábil de 1 bilhão de dólares.

A capacidade adquirida num mercado de tubarões brancos como o imobiliário de Nova York pode, evidentemente, não bastar para questões externas de alta complexidade.

O fofo Kim Jong-Un voltou a aprontar na Coreia do Norte e Trump o deixou plantado na última negociação cara a cara, usando um de seus princípios básicos.

Não podemos esquecer que baby Kim sobrevive por causa do escudo protetor da China. E a China, claro, está em confrontação comercial com os Estados Unidos.

Será que Trump não sabe disso? Será que é bobo mesmo? Ou, mais realisticamente, a tática da audácia pode ter resultados negativos?

A Venezuela é um bom teste. Os Estados Unidos não têm interesses vitais no país, embora a geopolítica (localização, petróleo, potencial de encrenca regional) não possa ser ignorada.

A cooptação e pressão sobre figurões do regime não deram certo na manobra do 30 de abril – ou pelo menos não deu certo até agora.

A caixa de maldades dos Estados Unidos ainda tem um bocado de recursos, mas a ideia é conseguir o resultado máximo – um pós-Maduro com traumas relativamente baixos e reequilibrado em termos de aliança – com intervenções mínimas, coordenando sanções econômicas com operações de inteligência.

Fazer o máximo com o mínimo parece absurdo para quem vê apenas o estilo caótico, tuiteiro e briguento de Trump e acha que ele, inebriado pelo poder, vai dar uma de Daenerys e incendiar o mundo.

“O poder mora onde os homens acham que mora. É uma ilusão. Uma sombra na parede”, dizia lorde Varys.

Pronto, acabaram as comparações com Game of Thrones.

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