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Por Vilma Gryzinski
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Cruz, foice, martelo e outras misturas perigosas na China

Bandeira vermelha em todos os locais de culto é apenas o último capítulo das tentativas de controle das religiões e seu explosivo histórico

Por Vilma Gryzinski 3 ago 2018, 16h04

De forma geral, tudo o que achamos que acontece ou aconteceu na China não só não é verdade, como é seu exato oposto.

A religião cristã, por exemplo. Ao contrário do que aconteceu nos países onde missionários católicos, geralmente jesuítas, propagaram a versão cordata da palavra de Jesus, na China houve uma monumental revolta de inspiração cristã.

A rebelião de Taiping aconteceu na segunda metade do século 19 e durou quinze anos, deixando um número catastroficamente chinês de vítimas: entre 20 e 30 milhões.

Na prática, foi uma guerra civil. Seu líder, Hong Xiuquan, teve sonhos proféticos depois de falhar quatro vezes no exame imperial, o megaconcurso público de história milenar. Acordou achando que era irmão de Jesus.

O budismo tibetano, tão fascinante para muitos ocidentais em busca de iluminação e paz interior, gerou uma escola agressivamente política, a dos Chapéus Amarelos. Tinha enorme influência sobre os imperadores da dinastia Qing, a dos conquistadores da Manchúria.

O poder e a extraordinária quantidade de rituais mágicos dos Chapéus Amarelos contribuíram para deteriorar a influência dos últimos imperadores.

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A República Chinesa que encerrou a monarquia acabou derrubada pela Revolução Comunista, em 1949, propiciando perseguições religiosas de especial virulência até pelos padrões do comunismo real.

Um ano depois, o Tibete, relativamente isolado durante a guerra civil, foi invadido, tornando-se o mais tragicamente exemplar caso de repressão. Como era uma teocracia dirigida diretamente pelos lamas e com uma população extremamente religiosa, sofreu a mais violenta intervenção.

As cinco religiões reconhecidas – Budismo, Islamismo, Catolicismo, Protestantismo e Taoísmo – passaram a ser subordinadas,  cada uma, à respectiva Associação Patriótica. Os poucos católicos tiveram que escolher entre se submeter ou continuar, em segredo extremo, a seguir a liderança do papa.

A reafirmação do poder do Estado sobre as instituições religiosas está na origem de iniciativas recentes como obrigatoriedade de hasteamento da bandeira chinesa, aquela vermelha com cinco estrelas no alto.

A maior representa o sacrossanto Partido Comunista, e as quatro menores simbolizando as classes sociais. A foice e o martelo do desenho original não entraram, mas continuam a figurar em toda a iconografia do partido.

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A abertura econômica e a pacificação política iniciadas há quarenta anos, trouxeram, evidentemente, um renascimento religioso. O entusiasmo evangélico, originário dos Estados Unidos irradiou para a China, enxugando a religião católica.

Dos cem milhões de cristãos existentes hoje na China, a grande maioria é protestante. Os católicos, oficiais ou no “armário”, cuja tradição remonta ao legendário jesuíta Matteo Ricci, hoje estão perto de ser rifados por outro integrante da Companhia de Jesus, o papa Francisco, em nome da unificação.

“Lei da Bandeira”

O cristianismo ainda tem uma aura de atração, em especial pela conexão com o sucesso econômico em vizinhos como a Coreia do Sul. Mas tanto católicos quanto protestantes são proibidos de praticar a religião em ambientes fora das instituições oficiais.

Os muçulmanos são na maioria da etnia uighur, um povo da Ásia Central. Atingidos, inevitavelmente, pela ascensão do fervor fundamentalista, os uighurs são considerados uma grave ameaça à unidade nacional e tratados com medidas cada vez mais restritivas.

Não podem usar barba, cobrir o rosto ou seguir o Ramadã, uma vez que manter o ritmo normal de trabalho e comércio é compulsório. As mesquitas e escolas islâmicas são vigiadíssimas.

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No Tibete, foram proibidas atividades religiosas para crianças agora durante as férias de verão no hemisfério norte. Os pais têm que assinar um documento se comprometendo a não expor os filhos à religião.

A explicação dada para o aperto como a “lei da bandeira” pelo jornal em inglês do Diário do Povo, a voz oficial do Partido, mostra uma das maiores fragilidade do novo império chinês, a insubmissão de regiões etnicamente diferentes da maioria dos chineses, do tronco han.

“A bandeira nacional é um símbolo do país que precisa ser respeitado por todos os seus cidadãos”, escreveu o Global Times – repetindo quase que ipsis litteris o que diz o presidente Donald Trump.

“Para um país multiétnico e multirreligioso como a China, reforçar a consciência nacional e cívica do povo é de particular importância.”

“As religiões são excludentes. A chave para que vivam em harmonia é sustentar sua identidade nacional. Se o sentido conjunto de identidade nacional desmoronasse, o país se dividiria ou até correria o risco de guerra.”

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A Rebelião de Taiping foi muita estudada por líderes comunistas. Hong Xiuquan (a pronúncia aproximada é xiuchuan) fez uma reforma agrária e promovia uma espécie de coletivismo. Seu exército de voluntários chegou a dominar um terço do território chinês.

Tinha também um caráter nacionalista, por se rebelar contra o domínio manchu. Seu objetivo era instaurar o Taiping Tianguo, ou Reino Celestial da Grande Harmonia.

Truques mágicos

Ao contrário de povos que têm como mitos fundadores a criação de origem divina dos primeiros homens e uma hierarquia de divindades, o mito original da China não tem deuses, mas um “imperador perfeito”, que mantém o equilíbrio cosmológico entre os princípios complementares e, assim, beneficia o povo.

A mistura de taoísmo, confuncionismo e budismo que se tornou preponderante na China nem sequer é uma religião.

Os antepassados são obrigatoriamente cultuados (e alimentados) porque podem atrapalhar a vida dos viventes com tramas perversas e produzir “má sorte” – para não falar aquela palavra da qual os chineses têm pavor.

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Os surtos de religiosidade e misticismo, como os propiciados pelo budismo tibetano, são absorvidos e incorporados, como tudo, pela imensidão territorial, temporal e da China. Os Chapéus Amarelos desenvolveram sua influência com os khans, os comandantes mongóis, impressionados com suas artes divinatórias e outros truques mágicos.

O poder de influência dos lamas se repetiu nas últimas com atores de Hollywood e outras celebridades ocidentais, mas o paciente círculo de ferro estabelecido pelo regime está se comprovando muito mais forte.

O Dalai Lama, mais prodigioso do que qualquer gênio do marketing na capacidade de conquistar simpatias, teve câncer de próstata e se recolheu. O regime chinês disse que vai escolher o sucessor (“Primeiro, os comunistas chineses teriam que aceitar a teoria da reencarnação”, foi seu estoico comentário.)

Em março passado, pouco antes da Semana Santa, o bispo Guo Xijin, da igreja católica rebelde, foi preso “preventivamente” por se recusar a celebrar a missa de Páscoa em conjunto com o bispo aprovado pelo Estado.

Francisco, o papa argentino, acha que conseguirá resolver a questão das “duas igrejas” aceitando um acordo em que Roma deixaria de nomear os bispos chineses. Apenas teria uma espécie de direito de veto aos escolhidos pelo regime.

Dá para acreditar?

Como para todas as situações do universo existe um provérbio de Confúcio que se encaixa, hoje vamos terminar com este: “Podemos conquistar a sabedoria através três métodos. Primeiro, através da reflexão, que é o mais nobre. Segundo, através da imitação, o mais fácil. E, terceiro, através da experiência, o mais árduo.”

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