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O sono de Nero

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Por Antônio Xerxenesky
Atualizado em 13 ago 2018, 17h58 - Publicado em 13 out 2012, 09h08
 

De certo modo, a escolha de lançar os poemas de Konstantinos Kaváfis no Brasil em tradução de Haroldo de Campos parece óbvia. Kaváfis, morto em 1933, sem ter publicado um só livro em vida, despontou no cenário mundial, mais de vinte anos após a sua morte, como o grande nome da renovação da poesia grega. Nascido em Alexandria, o poeta viveu no Egito, na Inglaterra e na cidade de Constantinopla; sua poesia era lida apenas por amigos e por um pequeno círculo de intelectuais, e ele quase não obteve reconhecimento em vida, pois seu estilo diferia das principais tendências da época. Sua obra completa é pequena: Kaváfis finalizou apenas 154 poemas e deixou alguns esboços não publicados.

A Grécia carrega um peso gigantesco dentro da tradição literária, já que a inventou. Talvez em parte por esse fardo, o país costuma ser lembrado mais pelos clássicos que pelas letras contemporâneas, muitas vezes ignoradas. O poeta e tradutor Haroldo de Campos, falecido em 2003, sempre foi um apaixonado pela cultura grega, tendo traduzido – ou “transcriado”, como ele dizia – Homero. Por outro lado, foi um radical vanguardista, um dos grandes nomes do movimento concretista e um entusiasta de James Joyce. Portanto, cabe repetir: há algo de lógico em publicar Kaváfis no Brasil pelo olhar tradutório de um homem que sempre oscilou entre o clássico e a renovação do contemporâneo. As versões de Campos diferem muito, afirma o poeta na nota final, das de José Paulo Paes. Há, nesta nova edição, um privilégio à camada fônica, em detrimento da fidelidade ao significado.

A nova edição bilíngue dos Poemas de Konstantinos Kavafis (Cosac Naify, 64 páginas, 45 reais) optou por utilizar um poema de Campos como uma espécie de prefácio, em vez de um ensaio crítico. Trata-se de O Alexandrino, que serve de homenagem ao grego, ao mesmo tempo em que oferece uma breve análise de seu estilo. Neste poema-prefácio, o brasileiro menciona que os “aristarcos de plantão” rotulam Kaváfis de um “tardo-simbolista”, mas que ele enxerga os poemas como textos “grávidos de futuro”. Esta chave de leitura oferecida por Campos parece comprovar-se nos quinze poemas de Kaváfis que seguem. O poeta grego vale-se, o tempo todo, dos grandes mitos: Édipo, Aquiles, Ulisses. E, no entanto, apesar da métrica cuidadosa, seus versos não rimam, e exibem uma leveza própria desta liberdade.

O estilo varia bastante de um poema para outro, nesta antologia. Édipo propõe o registro de um instante, o momento no qual Édipo se depara com a esfinge. Mesmo sabendo que a vencerá o desafio, ele não exibe “nenhum traço festivo, nos olhos turvos da melancolia”. Já À Espera dos Bárbaros, de 1904, é construído em torno de perguntas e respostas, com um desfecho que beira o cômico: “E nós, como vamos passar sem os bárbaros? Essa gente não rimava conosco, mas já era uma solução”. Este desfecho, afirma Campos, é um diálogo intertextual, surgido na tradução, com o Poema de Sete Faces, de Drummond. Trata-se de uma manobra da tal “transcriação” literária, que leva em consideração o público receptor bastante separado do contexto original de produção do poema. Enquanto os textos do grego Kaváfis estabelecem um diálogo permanente com a tradição literária de seu país, o Kaváfis “transcriado” por Haroldo de Campos dialoga com a poesia brasileira.

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Como já foi dito, uma das tônicas centrais da obra de Kaváfis é o uso de mitos gregos, e também de personagens históricos do Império Romano. Suas referências, todavia, fogem das representações canônicas e passeiam pelo irônico. Em Os Passos, Nero, sempre associado ao incêndio de Roma, aparece dormindo o mais tranquilo dos sonos: “Nero, compleição flórea, dorme, próspero de benesses, na juventude esplêndida”. Em O Prazo de Nero, ele desdenha a profecia que lhe recomenda cuidado aos 73 anos de idade. Tinha meros trinta anos e muita vida pela frente e ignorou o augúrio, que fazia referência à idade de Galba, estrategista espanhol.

Para além desta temática, Konstantinos Kafávis compôs poemas de contemplação, que recriam a beleza idealizada da Grécia antiga, e há espaço até para um texto de matizes religiosas no livro: In-compreendeste. Trata-se, portanto, de uma edição que interessará aqueles leitores que, como Haroldo de Campos, são apaixonados pelo helenismo e se interessam por uma visão não canônica dos mitos gregos, bem como da mística construída ao redor deste período.

Antônio Xerxenesky

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