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Colm Tóibín brinca com expectativas do leitor no romance ‘Nora Webster’

O escritor irlandês Colm Tóibín (Crédito: Jerry Bauer/Divulgação) Meire Kusumoto O escritor irlandês Colm Tóibín tem uma definição, por assim dizer, distinta sobre o que considera ser um verdadeiro romance. “Esse gênero funciona quando você brinca com as expectativas dos leitores. Se você define um personagem como bom, precisa fazer com que ele faça algo que não […]

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 01h00 - Publicado em 4 jul 2015, 12h19
O escritor irlandês Colm Tóibín (Crédito: Jerry Bauer/Divulgação)

O escritor irlandês Colm Tóibín (Crédito: Jerry Bauer/Divulgação)

Meire Kusumoto

O escritor irlandês Colm Tóibín tem uma definição, por assim dizer, distinta sobre o que considera ser um verdadeiro romance. “Esse gênero funciona quando você brinca com as expectativas dos leitores. Se você define um personagem como bom, precisa fazer com que ele faça algo que não é bom para transformar a história em um romance”, diz em entrevista ao blog VEJA Meus Livros o escritor convidado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A subversão mencionada por Tóibín é uma das chaves para entender seu mais recente livro, Nora Webster (tradução de Rubens Figueiredo, Companhia das Letras, 400 páginas, 54,90 reais), lançado no Brasil no começo de junho e um dos temas da mesa do evento dedicada ao escritor.

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nora websterO romance retrata a vida da personagem-título, uma mulher por volta dos 40 anos que mora com a família na pequena cidade de Enniscorthy, no sul da Irlanda, na década de 1960. A história começa com Nora recebendo mais uma visita de um de seus vizinhos, algo recorrente desde que ela perdeu seu marido, Maurice, morto por causa de uma doença no coração. A vizinha da vez, além de querer confortar a viúva, conta que seu filho tem interesse em comprar uma casa de praia que pertence à família de Nora, para a qual eles viajavam todo verão. Ao imaginar que essas viagens não serão mais tão agradáveis quanto eram com seu marido vivo, ela decide vender a casa, para a tristeza de seus quatro filhos, duas meninas, mais velhas, e dois garotos.

Mesmo arrasada com a perda de Maurice, Nora não se entrega ao desespero – as crises de choro são citadas como recorrentes e inexplicáveis, que podem acontecer a qualquer momento, mas nunca são presenciadas pelo leitor. E aí começa a quebra de expectativa de quem tem o romance de Tóibín nas mãos. Nora é uma viúva jovem, que perdeu o amor de sua vida e que tem quatro filhos para criar sozinha. Mesmo com emoções latentes e pensamentos contraditórios atravessando sua mente o tempo todo durante o processo de superação, ela consegue se manter impassível diante do dia a dia e das crianças, as quais chega a esquecer e até a ignorar em determinados momentos.

Em uma das passagens, Nora leva os dois filhos, Donal e Conor, até a casa de uma de suas irmãs, Catherine. É fim de tarde, depois do horário em que os britânicos costumam tomar chá e beliscar alguma coisa. Conor, no entanto, reclama da falta do lanche à tia e à mãe:

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“A que horas a gente vai tomar o chá?”, perguntou ele. “Todo mundo já tomou. Quando a gente vai tomar?”

Catherine olhou para ele como se não tivesse ouvido nada. Conor não cedeu e, como não obtivesse resposta da tia, olhou para Nora.

“Vocês não estão vendo televisão?”, perguntou Catherine.

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“Nós não tomamos nosso chá”, repetiu ele.

“Não tomaram?”, perguntou Catherine e olhou para Nora, perplexa.

Nora teve a sensação de estar sendo acusada de alguma coisa.

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“A gente saiu de casa assim que os meninos chegaram da escola. Pensei que tomaríamos o chá aqui.”

“Ah, desculpe. A Dilly está para chegar, e o Mark também, mas não sei exatamente a que horas ele estará em casa.”

“Catherine parecia distraída. Nora estava prestes a dizer que um sanduíche ou uma torrada com feijão já seria suficiente para eles, mas preferiu não dizer nada. Olhou para longe, como se não fosse problema seu. Estava quase zangada. Conor continuou ali, observando a mãe e a tia.”

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Deixar de se preocupar com a alimentação de um filho é uma reação um tanto inesperada para uma mãe, e é exatamente isso que Tóibín quer que o leitor pense. “Se as pessoas se comportam da maneira esperada, isso não é um romance. Como o caso de uma mãe, que tem outras coisas acontecendo na vida dela que não são necessariamente ligadas à maternidade”, diz. O autor afirma, no entanto, que quis criar ambiguidades na personagem, para que fosse impossível julgá-la por momentos como o citado. De fato, ao mesmo tempo em que Nora é retratada por vezes como uma mãe distante, o leitor sabe que as crianças estão constantemente em seu pensamento.

O romance, trabalhado em uma linguagem econômica, com estilo neutro e direto, tem tons fortemente autobiográficos. Tóibín perdeu o pai na década de 1960 e sua mãe precisou cuidar dos cinco filhos, ao mesmo tempo em que voltava ao mercado de trabalho, assim como Nora. O escritor conta que, também como a protagonista do livro, sua mãe tinha interesse por música e tinha a tendência a se calar diante de discussões importantes com os filhos. “Havia certo silêncio. Mas é difícil falar em uma casa que perdeu um membro da família”, conta. Tóibín é representado em Nora Webster pelo garoto mais velho, Donal, de 12 anos. Reservado, o rapaz encontra um refúgio na arte – na fotografia, no livro e na literatura – e desenvolve uma gagueira após a morte do pai.

O irlandês afirma que mesmo o livro refletindo tanto a sua vida, nunca o leu depois de publicado, assim como faz com todo o resto de sua obra, composta por ensaios, contos e seis romances, como O Mestre, sobre o escritor americano Henry James (1843-1916), e Brooklyn, vencedor do Costa Novel Award em 2009. “Quando escrevo, está acabado. Nunca leio de novo, nunca li um livro de novo. Se lesse, é como se estivesse olhando para um espelho o tempo todo.”

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