O valor da leitura para a democracia
Ensaísta Davi Lago lembra que os totalitarismos tremem diante das letras, por isso queimam livros, censuram opiniões, distorcem fatos, inculcam narrativas
O incentivo à leitura é chave na construção de sociedades livres, democráticas e solidárias. Martha Nussbaum, em sua célebre crítica à educação americana na administração Obama, afirmou que os Estados Unidos não deveriam menosprezar as humanidades nos currículos escolares. Segundo a filósofa, as letras ampliam as capacidades empáticas dos jovens, um atributo vital para sociedades democráticas desenvolvidas, que pressupõem empatia dos cidadãos em algum grau. Uma democracia cheia de cidadãos sem empatia gera novas formas de marginalização piorando os problemas já existentes. Interessante notar que a quantidade de livrarias e a diversidade de jornais impressos diários são dois dos critérios de avaliação da qualidade de vida em uma cidade na The Monocle Quality of Life Survey. A lógica é simples: cidades com ampla oferta de livros, jornais e revistas possuem público leitor educado, maior pluralidade e intercâmbio de ideias, e índices superiores de bem-estar social. No outro extremo, os totalitarismos tremem diante das letras, por isso queimam livros, censuram opiniões, distorcem fatos, inculcam narrativas. Foi Roland Barthes quem afirmou: “fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer”. Portanto, ler é preciso, incentivar a leitura, necessário.
Ler é um exercício de empatia porque implica encontrar o outro. Na leitura está implícito quem escreve e quem lê. No ato de ler, o leitor ressuscita a voz do escritor em sua própria mente. Assim, a leitura é a intersecção de, pelo menos, duas subjetividades. Este encontro é sempre fecundo porque a leitura da palavra é precedida e acompanhada pela leitura do mundo. Ler é mais que mera decodificação de signos, é uma experiência humana integral. A genuína leitura leva a perceber, conhecer, interpretar o outro. Ler é ainda um exercício de empatia porque leva tempo, assim como digerir. Não por acaso, observou John Miedema, a leitura lenta leva o leitor a subvocalizar as palavras lidas, de modo semelhante à atividade motora da língua enquanto deglute alimentos. Leitura e lentidão seguem juntas, daí o fracasso das mídias sociais para o amadurecimento dos debates públicos – sempre afoitas, apressadas, precipitadas. Na leitura refletida, o cidadão se abre à experiência dos outros, considera opiniões diferentes, evita juízos prematuros que levam ao erro.
A leitura tem retorno a longo prazo. As crianças leitoras de hoje, construirão uma sociedade melhor amanhã. Nosso contexto, infelizmente, não é o melhor. De acordo com o relatório Global Economic Prospects do Banco Mundial, mais de 90% de 183 economias analisadas enfrentarão retração econômica por causa da pandemia da Covid-19. Confirmados os prognósticos, a amplitude da crise será maior que a recessão de 1930, quando 85% das economias retraíram. Evidente que a consequência imediata e inevitável deste cenário é o aumento das tensões políticas e sociais em diversas dimensões. Segundo Paul Collier, professor de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Oxford, levantamentos atuais revelam “um nível de pessimismo sem precedentes entre a juventude: inúmeros jovens estimam que terão um padrão de vida inferior ao dos pais”. Neste cenário difícil não podemos renunciar às poderosas ferramentas da leitura e da educação. Os desafios atuais exigem mais leitura e mais democracia, não menos.