O que o fim do Globo de Ouro pode ensinar?
Daniel Lança analisa boicote de Hollywood ao Globo de Ouro a partir do recente escândalo e aponta tendências corporativas surpreendentes
Nos últimos dias, um imenso boicote de Hollywood chamou a atenção do grande público ao ver cancelada a edição de 2022 do Globo de Ouro e possivelmente seu fim iminente. A provável ruína do Globo de Ouro curiosamente tem algo valioso a ensinar a empresas e organizações.
Em poucas palavras, os escândalos começaram a surgir a partir de uma série de revelações do jornal Los Angeles Times que denunciavam que os membros da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood ou HPFA (da sigla original em inglês) recebiam presentes e tinham viagens e hospedagens luxuosas bancadas por estúdios, que por sua vez retribuíam os favores. Um exemplo foi na questionável indicação da série ‘Emily em Paris’, exatamente após viagem paga a membros da HFPA à capital francesa para acompanhar as gravações.
Além disso, a indicação de seus membros seguia regras nebulosas, sem qualquer critério de inclusão ou diversidade nem representação étnica ou racial: nenhum de seus 87 membros votantes é negro. Dentre as consequências dessas disparidades, viu-se em 2021 o desprestígio de produções lideradas por artistas negros, como a aclamada série ‘I May Destroy You’ ou os filmes ‘Uma Noite em Miami’ e ‘A Voz Suprema do Blues’. No ano passado, ‘Watchmen’, estrelado por Regina King, sequer foi lembrado pelo Globo de Ouro, mesmo conquistando 11 estatuetas Emmy e considerada unanimidade entre críticos da arte.
Há ainda as questões envolvendo assédio que pairam sobre a organização que gerencia o Globo de Ouro e tem se tornado uma agenda cada vez mais importante no universo das artes visuais. Não à toa, a atriz Scarlett Johansson emitiu pronunciamento em que boicotaria as coletivas de imprensa do Globo de Ouro depois de ‘enfrentar questões sexistas e comentários de certos membros do HFPA da que beiravam o assédio sexual’.
Diante disso, um boicote em cadeia formou-se contra a organização responsável pela premiação do Globo de Ouro. A NBC anunciou o cancelamento da edição de 2022, declarando que só voltaria a exibir a premiação após a reestruturação da HFPA. Netflix e Amazon Prime Video e o estúdio WarnerMedia também fecharam o cerco contra a premiação. Além dos grandes estúdios, diversos artistas foram na mesma direção. Além de Scarlett Johansson, atores como Mark Ruffalo e Tom Cruise pronunciaram-se fortemente contra os escândalos e à forma de gestão da HFPA. O ator de Missão Impossível inclusive devolveu as três estatuetas do Globo de Ouro que havia recebido.
Pode-se enxergar o ocorrido com o Globo de Ouro como uma tendência, sobretudo no mundo corporativo. Organizações – não apenas empresas – já são demandadas a seguirem boas práticas corporativas corporificadas em três siglas: GRC, ESG e D&I.
A primeira, GRC, representa ações voltadas à Governança Corporativa, Gestão de Riscos e Compliance. Em suma, prevê a criação de processos capazes de prevenir os grandes riscos reputacionais, como corrupção fraude, conflitos de interesses, por exemplo – e mitigá-los a partir de normas e procedimentos, como na limitação de recebimento de brindes e presentes.
Governança Corporativa também aparece no acrônimo ESG, que vem do inglês Environmental, Social & Governance (ou Ambiental, Social e Governança). A expressão ESG surgiu recentemente da maior demanda por organizações com visão holística que vai muito além do lucro, buscando um capitalismo consciente e sustentável.
Por fim, a sigla D&I significa Diversidade e Inclusão e surgiu da necessidade de agregar perspectivas e experiências distintas e complementares de modo a responder melhor às demandas complexas e plurais. Essa forma de pensar inclusiva também tem um importante papel social de gerar equidade e oportunidade a pessoas ou grupos minoritários que de outra forma continuariam relegados a subempregos.
Num futuro muito próximo, as organizações incapazes de exercitar essas três siglas – GRC, ESG e D&I – irão desaparecer do mercado. Esse é um prognóstico baseado em fatos e que acredita que essa tendência irá se tornar uma essência, fundamental à própria existência de quem quer viver num mundo mais conectado e inclusivo. Ou você se adapta ou morre. O Globo de Ouro que o diga.
* Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance