O PT precisa estabelecer um amplo pacto anticorrupção
Daniel Lança lembra que o partido foi responsável por melhorar leis anticorrupção, mas a contínua negação dos escândalos não curará a ferida
Com a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato, é certo que o PT estará novamente no páreo da disputa presidencial de 2022. Antevendo uma eleição polarizada e apertada, ganhará quem conquistar o eleitorado que não é lulista nem bolsonarista. Se o PT quiser o apoio de parte dessa parcela, será preciso enfrentar um tema delicado: a corrupção.
Até hoje, o Partido dos Trabalhadores ainda não foi capaz de fazer uma autocrítica sobre sua participação nos desvios na Petrobras. E nem mesmo a anulação dos processos de Lula é suficiente para esquivar-se do assunto: entre condenados, presos e investigados na Lava Jato há mais de uma dezena de membros do PT, dentre líderes históricos, ex-dirigentes partidários, deputados, senadores e ex-ministros.
O caminho natural precisa ser a autocrítica, reconhecendo os erros cometidos. Nesse sentido, as próprias empresas investigadas na Lava Jato, por uma questão de sobrevivência, reconheceram seus erros como um primeiro passo para a retomada dos negócios. Isso implica inclusive em pedir formalmente desculpas ao povo brasileiro, num gesto de humildade e grandeza. Sem esse reconhecimento não existe avanço no combate à corrupção no futuro.
Obviamente, fazer o mea culpa não é suficiente. Ao olhar para o futuro, será preciso que o PT estabeleça um pacto anticorrupção intrapartidário, que institua processos e controles internos de combate ao suborno, à fraude e a situações de conflitos de interesses. Isso implica mudança de cultura e investimento em gestão interna de compliance partidário, regras rígidas de integridade, canais de denúncias, investigações independentes e punição severa a quem não estiver em conformidade, independentemente do cargo ou hierarquia partidária.
Mas talvez a maior qualidade de uma organização resoluta no combate à corrupção seja a capacidade de seus líderes estarem efetivamente comprometidos com os valores de integridade, e, assim, liderarem pelo exemplo, dando o tom que vem do topo (tone of the top). Tais líderes precisam ter reputação ilibada e serem capazes de unir seus liderados em um projeto que não tolera desvios éticos e não justifica os fins pelos meios.
Mais do que isso, o partido precisará construir um amplo pacto anticorrupção no seu projeto de país. Já aprendemos da pior maneira possível que a corrupção mata, tira recursos da educação, segurança e saúde e atravanca o desenvolvimento econômico. Essa agenda anticorrupção passa necessariamente pelo fortalecimento das instituições de controle, pela proposição de reformas legislativas, respeito à democracia e liberdade de imprensa.
Vale relembrar que a gênese do PT buscava exatamente o espírito de inconformismo com o status quo, espelhado inclusive na histórica luta contra corrupção. Uma vez no poder, os governos petistas contribuíram com o recrudescimento dos órgãos de controle e estabeleceram algumas das leis anticorrupção que, paradoxalmente, levaram alguns de seus dirigentes à prisão.
Se gato escaldado tem medo de água fria, o PT deveria ser o primeiro partido político a cuidar para que escândalos como o Petrolão nunca mais aconteçam. Para isso, será preciso autocrítica e um amplo pacto anticorrupção, tanto no âmbito partidário e no plano de governo. A contínua negação não curará a ferida.
* Daniel Lança é Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e Sócio da SG Compliance