Braga Netto mente
Ministro da Defesa consegue falar duas mentiras em uma. Ao dizer que não houve ditadura, ele prova que há política nos quartéis
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mente. Mente descaradamente quando o assunto é a ditadura militar (1964-1985). Mas a grande questão não é só a mentira sobre o regime ditatorial. Óbvio que é importante, nos envergonha como país, mas, ao mentir, Braga Netto naufraga também o seu discurso de que não há política partidária nos quartéis brasileiros.
Nesta terça-feira, 17, Braga Netto, que era da ativa até o ano passado, afirmou o seguinte sobre o golpe de 64 e os 21 anos sombrios que se seguiram até 1985: “Houve um regime forte, que precisa ser analisado na época da história. No contexto da Guerra Fria. Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui. Ditadura, como foi dito por outro deputado, é em outros países”
Existem mais de 20 mil denúncias de violações de direitos humanos relacionadas ao regime militar, sendo mais de seis mil delas oficiais. O que isso quer dizer? Esses registros oficiais foram realizados nas auditorias militares e acabaram guardados pelas próprias Forças Armadas. Por isso, são a prova mais contundente que ficou para a História.
Eles tinham tanta certeza da impunidade, que deixaram os registros nos processos militares aos quais muitos brasileiros, alguns deles heróis, responderam. Depois, esses números foram compilados no “Projeto Brasil: Nunca Mais”. O livro registra exatamente 6.016 denúncias de tortura, sendo 4.918 contra homens e 1.098 contra mulheres.
Discrimina ainda os tipos de tortura, enumerando uma a uma. O documento inicia no 1, “aplicação de ácido no corpo”; e vai até o 310, “testículos amarrados”; passando por “estupro”, número 289; “enfiar cigarro aceso no ânus”, número 191; e “enfiar cabo de vassoura na vagina”, o 293. Será que Braga Netto não sente vergonha de falar isso? Esses dados são públicos.
Mas vamos lá. Um quadro divide as torturas por coações morais e psicológicas, físicas, violências sexuais, torturas com instrumentos, aparelhos mecânicos, aparelhos elétricos, contra sinais vitais e, por fim, atípicas, como contei no livro Em Nome dos Pais. Estamos falando de torturas em quartéis, esses mesmos que foram construídos para proteger brasileiros e não para torturar, matar e ocultar cadáveres de presos políticos.
Isso nos leva a outros dados. Além dessas graves violações de direitos humanos e o óbvio desvio das funções em prédios públicos, o número de mortos e desaparecidos pelo regime está subdimensionado. Oficialmente, o número é de 434 brasileiros assassinados pelo regime e/ou cujo seus corpos foram escondidos pelo estado brasileiro, o que caracteriza crime continuado.
Apenas para dar um número que vai esclarecer o leitor: o livro Os Fuzis e as Flechas, do jornalista Rubens Valente, revela que, durante o regime militar, mais de 1,2 mil indígenas foram mortos por ação direta e indireta do Estado. Se contarmos os camponeses que se juntaram à resistência ao regime, e acabaram mortos, esse número aumenta. Eles não estão contabilizados.
Ao mentir que não houve ditadura no Brasil, quando o Exército, a Marinha e a Aeronáutica são responsáveis por torturar mulheres grávidas, menores de idade, brasileiros de todas as idades, a maioria deles, inclusive, que jamais pegou em armas, Braga Netto coloca a política partidária justamente dentro dos quartéis. E uma das piores. A ideia bolsonarista de mundo.
Esta coluna só junta esses dois fatos – a mentira sobre o regime e a mentira sobre a política partidária nos quartéis – porque o próprio Braga Netto, um ministro da Defesa que envergonha a nação, tratou dos dois temas ao responder parlamentares na tarde desta terça-feira, 17, em Brasília. Deve ser muito ruim carregar o peso dessas mentiras nas costas.