Bolsonaro precisará escolher para quem governa, afirma cientista política
A sensação de bem estar econômico dado pelo auxílio ajuda a melhorar a popularidade, mas pode desagradar quem quer controle das contas públicas
O aumento da popularidade do presidente Jair Bolsonaro, revelado em pesquisas de opinião das últimas semanas, tem relação com o auxílio emergencial de R$ 600 pago em razão da pandemia do coronavírus. No entanto, o presidente terá que escolher se quer conquistar um eleitorado em regiões antes dominadas pelo PT ou se vai obedecer o teto de gastos e manter a responsabilidade fiscal num momento em que a economia do país luta para sobreviver. Para a cientista política Daniela Campello, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o presidente terá que mostrar para quem governa, pois não é possível agradar a todos.
“A questão agora é que, ao contrário de períodos de boom econômico, não é possível agradar a todos e Bolsonaro precisará escolher para quem governa. Por um lado, ele está seduzido pelo aumento da popularidade e vê no auxilio uma forma de penetrar em um eleitorado até hoje visto como “lulista” (que na minha visão não é nem lulista nem bolsonarista, mas vota com base em mudanças no seu bem-estar). Por outro lado, o auxilio custa R$ 50bi/mês, contra R$ 30bi/ano do Bolsa Família. Não cabe no orçamento do país, que só tende a diminuir com a crise econômica”, afirmou Daniela à coluna.
Segundo a cientista, há evidências concretas de que o auxílio contribuiu para o aumento da popularidade de Bolsonaro. A constatação, inclusive, acentua a força da economia na intenção de voto dos brasileiros. “A economia explica 100% da popularidade? Certamente não, mas explica bastante, não apenas a popularidade, mas as chances de reeleição de um governante (ou de fazer seu sucesso) e mesmo de transições regulares de governo”, explica.
Daniela ainda alerta que, se o presidente decidir manter o auxílio emergencial, ele terá que discutir o teto de gastos e as chances de sair do controle são grandes. Para agravar a situação, Bolsonaro ainda precisa lidar com o ministro Paulo Guedes (Economia), se decidir ignorar o teto para arregimentar um novo eleitorado.
“Se Guedes ficar [no governo] nessas novas condições, ele deixará de ser a garantia que o mercado enxergava e perderá de qualquer forma. E quando digo mercado, não é só o financeiro, grandes empresas, atores econômicos relevantes. Também perdem com um cenário de descontrole fiscal, então ele perde o capital. A dúvida é entre capital e votos, o que terá prioridade para o presidente”, destaca.
Nessa linha de raciocínio, a cientista política afirma que Bolsonaro está “encantado com a popularidade” alcançada em meio à pandemia e pode ceder às pressões de alas como o Centrão e militares que trabalham para furar o teto de gastos. Com o objetivo de afastar o lulismo, o presidente pode cair numa armadilha fiscal.
Mesmo confirmando que o Bolsa Família fez diferença na popularidade de Lula, Daniela lembra que o cenário desenhado para o petista na economia era bem diferente do atual. “Lembremos que o Bolsa Família fortaleceu apoio a Lula em situação de crescimento econômico, com aumento de emprego, do salário mínimo e etc. Não foi só o Bolsa Família. E esse cenário, ao que parece, está fora de questão”, diz.