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Professor, advogado e militante do movimento negro, ele é o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, instituição pioneira de ensino no Brasil que ajudou a fundar em 2004.
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Raça, conveniência e dissimulação

Discussões sobre o racismo estrutural e a exclusão do negro escancaram no Brasil o apartheid social e econômico que separam negros e brancos

Por José Vicente
2 out 2020, 20h11

As recentes discussões sobre o racismo estrutural e a exclusão do negro nos ambientes sensíveis, empresariais e de poder do país que vieram na esteira do caso George Floyd escancararam, de novo, no Brasil, o apartheid social e econômico que separam negros e brancos, liberou energias importantes e transformadoras e também publicizou, também, de novo, a conveniência e oportunidade do uso da raça para interesses dos mais diversos. Até, os escusos e fraudulentos.

Não foram poucos os embates e as dificuldades para tentar construir um conceito mínimo que dessa conta das idiossincrasias raciais brasileiras frente o antecedente da escravidão que tornou os negros em coisa e peças de comércio, e também frente a intensa miscigenação entre negros, índios e brancos que construiu uma miscelânea tons e tinturas.

Africano, preto, homem de cor, pardo, mulato, afrodescendente, negro são algumas das muitas tentativas de resolução definitivas da questão. Todas elas com questionamentos e as vezes de difícil aplicação, como o caso dos filho mais branco e o mais escuro do mesmo casal inter-racial.

Nos Estados Unidos em que raça, em regra, se mede pela quantidade de sangue negro do indivíduo, uma gota de sangue negro é suficiente para determinar o pertencimento, independentemente dos fenótipos, da cor de pele e dos cruzamentos raciais. Preto retinto, pardo, moreno, não tem vez. Negro é negro e branco é branco. Simples assim. Lá, essa verdade, muito mais política que cientifica não admite concessão, e os indivíduos não tem autonomia para revogá-la livremente, permitindo, dessa forma, segurança e previsão na delimitação do pertencimento identitário, precisão na delimitação, controle e alcance das políticas públicas e principalmente, transparência e correção da destinação e uso dos recursos disponibilizados.

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Dificilmente um branco americano teria estímulo, disposição, interesse e mesmo a cara de pau para mudar sua filiação racial por conta de algum benefício político, jurídico, econômico, social, estético ou cultural disponibilizado para o negro. Seria desonroso e mesmo ofensiva à sua visão de mundo de “superior”.

No Brasil da democracia racial, a cor da pele ganha relevância e quanto mais longe do preto retinto estiver, mais próximo do branco se estará, independentemente da impureza do sangue e da mistura do casamento inter-racial. Não ter pele muito escura no Brasil, pode significar muito coisa, inclusive que o indivíduo é branco, ou pelo, menos pode reivindicar as prerrogativas do branco.

Por trás dessa licença social tem se escondido as mais diferentes ardis e dissimulações, inconfessos usos e subversão da filiação racial, e os mais diversos crimes raciais. Junto dos falsos positivos, juntam-se os positivos falsos.

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O caso dos quase 36% de postulantes aos cargos eletivos que mudaram de ideia e agora se autodeclararam negros com objetivo de acessar os recursos de campanha definidos para os negros pelo Tribunal Superior Eleitoral num primeiro momento e determinado por liminar do Supremo no outro, é um caso ilustrativo das suas várias dimensões e usos, mas também, os outros 30% que antes declarados negros e agora se declaram brancos completam esses transito raciais de interesse e conveniência. Soma-se ambos, os conhecidos casos de apropriação racial no âmbito das cotas nas universidades e concursos públicos com o mesmo objetivo e finalidade.

Fecha a questão absolvição da juíza da Vara Criminal de Curitiba pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Sendo acusada de racismo, por afirmar e publicar na sua sentença que o réu negro era “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”, o Tribunal de Justiça que a absolveu no processo administrativo concluiu que a culpa de tudo foi da imprensa, por não interpretar a sentença de boa-fé. Como contra fatos não há argumentos, a resposta mais elucidativa da questão foi o conjunto de elogios a juíza e sequer um pedido de desculpas para o réu.

Diz a máxima que direito sem controle, sem fiscalização e sem punição ás suas fraudes vira terra de ninguém e paraíso dos espertalhões, oportunistas e dissimulados. Desvirtua a lei e subjuga o pressuposto da política pública. Pelo fim da impunidade e da fraude racial.

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