Para se livrar do ônus do desastre, Vale e BHP renegam até Aristóteles
Mineradoras rejeitaram no tribunal a teoria de causa e efeito, enunciada no século V a.C, para não pagar indenização de 1,5 salário mínimo. Perderam
Os peixes sumiram há seis anos, e vida mudou completamente para mais de um milhão de pessoas nas margens dos 675 quilômetros de rios, do sudeste de Minas Gerais até o litoral do Espírito Santo.
Na sexta-feira, completaram-se seis anos desde o desastre ambiental da Samarco, uma parceria de duas das maiores mineradoras do mundo, a brasileira Vale e anglo-australiana BHP Billinton.
Na tarde de 5 de novembro de 2015 rompeu-se a barragem de rejeitos de minérios de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Uma onda de lama e pedra da altura de um prédio de oito andares arrasou bairros inteiros, matou 19 pessoas e contaminou dois terços da bacia do Rio Doce, a mais importante do Sudeste.
Foi o primeiro grande desastre ambiental da indústria de mineração no Brasil neste século. Quatro anos depois, em janeiro de 2019, desabou a barragem da Vale em Brumadinho, a 120 quilômetros de Mariana. Destruiu tudo ao redor, matou 262 pessoas — oito ainda estão desaparecidas — e invadiu a bacia do rio Paraopeba, fonte de água para Belo Horizonte e meia centena de cidades vizinhas.
É notável o comportamento das empresas envolvidas nessas catástrofes: Vale e BHP tentam se manter distantes das causas e dos efeitos.
A tragédia de Mariana é caso exemplar, como se vê na sentença da Justiça mineira divulgada sexta-feira em ação movida por um pescador que reclamava indenização pelo extermínio dos peixes na bacia do rio Doce.
No processo, Vale e BHP recusaram qualquer responsabilidade na calamidade da Samarco, cujo controle acionário dividiam meio a meio.
A Vale alegou ser “mera acionista da responsável pela barragem que veio a se romper”. A BHP indicou não ter “funções executivas dentro da Samarco” e, por isso, “não tem ou teve qualquer ingerência ou participação nas operações da Samarco”.
Até o desastre, a Samarco era mina de lucros extraordinários para a Vale e BHP — um ano antes, em 2014, embolsaram lucro líquido de US$ 1 bilhão, a equivalente a R$ 5,5 bilhões.
É tragicômico, mas na tentativa de se livrar do ônus da desgraça industrial, humanitária e ambiental, duas das maiores empresas de mineração do planeta renegaram num tribunal do século XXI o princípio da causalidade enunciado pelo filósofo grego Aristóteles no século V antes de Cristo.
Relator do caso, o juiz Saldanha da Fonseca resgatou o legado aristotélico — uma causa produz um efeito—, aplicando-o a partir de uma antiga sentença de Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça.
Liquidou o negacionismo da Vale e BHP na sutileza de 30 palavras: “Equiparam-se: quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.”
Mandou pagar ao pescador indenização de 1,5 salário mínimo por mês até que provem o retorno dos peixes.