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Relatos Selvagens – Se você ainda não viu, não perca tempo

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 23h06 - Publicado em 3 abr 2016, 15h00

O problema do argentino Relatos Selvagens: decidir qual dos seis episódios do filme é o melhor

Filmes em episódios quase sempre terminam em um balanço ruim – em geral, 70% dispensáveis, 20% razoáveis, 10% bons. Meus cumprimentos, então, ao diretor argentino Damián Szifrón por inverter completamente essa média estatística: da história curta e sensacional que abre Relatos Selvagens (na programação da TV a cabo) até o enredo apoteótico que o encerra, Szifrón consegue explorar de forma concisa, muito incisiva e sempre tremendamente original vários aspectos da raiva, da covardia, do descontrole e da violência que acometem as interações sociais cotidianas. O segredo dele: apesar dos personagens de cada trama e as situações que eles vivem serem tão diferentes entre si, o foco no tema central é fechadíssimo. Ou seja, Relatos Selvagens não é uma mera coletânea; é como um caleidoscópio que você vai girando.

Leia a seguir a resenha que publiquei na Veja quando o filme chegou aos cinemas, e também uma mini-entrevista com Ricardo Darín, o protagonista do episódio Bombita.


Temporada de caça

Em seis episódios imprevisíveis, perversamente divertidos e moralmente desafiadores, Relatos Selvagens é mais uma prova da exuberância criativa do cinema argentino

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Mal o avião decola e o tigrão (Darío Grandinetti) já está dando em cima da moça (Maria Marull) ao seu lado. Papo vai, papo vem, descobrem que têm um conhecido em comum. Eis que a senhora da fileira de trás se levanta e diz: “Mas que coincidência, eu também o conheço” – e o rapaz sentado mais adiante diz: “Que coisa, fui colega de escola dele”. Parece inocente? Pois logo o espectador de Relatos Selvagens vai se dar conta de que o inacreditável está acontecendo. E isso é só o começo: nos cinco episódios que se seguem, o diretor argentino Damián Szifrón vai confrontá-lo com igual número de explosões – às vezes, implosões – de indignação, rancor, ódio, cansaço, todas narradas com infalíveis exuberância e coesão narrativas. E todas elas, também, deflagradas por eventos casuais.

Divulgação

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Pela ordem: no segundo episódio, a garçonete (Julieta Zylberberg) de um restaurante de beira de estrada treme ao reconhecer o único freguês a cruzar as portas naquela noite de chuva – é o agiota que levou seu pai ao suicídio. “Ora, faça alguma coisa a esse respeito”, diz a cozinheira mal-encarada (Rita Cortese). No terceiro episódio, o homem bem-vestido (Leonardo Sbaraglia) vai feliz da vida dirigindo seu Audi pela estrada vazia quando topa com um carro caindo aos pedaços à sua frente, indo bem devagar. Dá sinal de luz, e nada. Tenta podá-lo pela direita, e o motorista (Walter Donado) o fecha. Vai para a esquerda, outra fechada. Quando consegue ultrapassá-lo, xinga-o de “caipira” e “ressentido”. No episódio seguinte, um engenheiro (Ricardo Darín) tem o carro guinchado enquanto, apressado, pega na confeitaria o bolo de aniversário da filha. No pátio da prefeitura, é tratado com aquela indiferença, prepotência e burrice típicas da burocracia. E, na mesma semana, tem o carro equivocadamente guinchado outra vez. Na próxima história, um rapaz rico acorda os pais aos prantos: atropelou uma grávida e fugiu. No desespero de pro­te­gê-lo das consequências, o pai (Oscar Martínez) olha pela janela e vê a luz: o caseiro humilde (Germán de Silva) que há quinze anos trabalha para ele. Finalmente, durante sua animadíssima festa de casamento, a noiva (Erica Rivas) percebe que é muito sugestiva a linguagem corporal que o noivo (Diego Gentile) adquire quando conversa com uma certa colega de trabalho. Com gana, sanha e humor negro como piche, Szifrón põe seus personagens em situações corriqueiras e então os conduz até paroxismos de fúria, violência, vingança e descontrole: já não se sabe mais quem é presa e quem é predador, se um dia alguém teve razão e como a perdeu. Melhor ainda: narrador voluptuoso e sem freios, Szifrón faz o raríssimo filme em episódios em que cada um deles é excelente, e alguns, se destoam, é porque são sensacionais.

Divulgação

Tome-se Pasternak, o do avião, tão breve e perverso que mal dá tempo de assimilar o que se está vendo, ou O Mais Forte, o dos motoristas que se transformam nos ensandecidos Tom e Jerry da luta de classes: com menos ideias do que isso já se fizeram bons filmes de duas horas inteiras. Szifrón, porém, não economiza para o futuro. Ratazanas, o da garçonete e da cozinheira que discutem que destino dar ao agiota, renderia fácil uma série de TV. Bombita, o do engenheiro, e A Proposta, o do atropelamento, são contos morais tão complexos que é notável caberem em uma minutagem assim enxuta. E, com Até que a Morte Nos Separe, o cineasta retoma o registro delirante com que abriu o filme, convidando o espectador para uma festa de casamento dos infernos. Produzido por Pedro Almodóvar e seu irmão Agustín, dirigido com grande senso de estilo visual e eximiamente fotografado por Javier Julia, Relatos Selvagens se destaca, contudo, é por aquele outro fundamento que custa pouco dinheiro mas imenso esforço: os roteiros, destilados até o ponto da saturação máxima de humor, crueldade, cinismo e, por que não, pragmatismo. Não é preciso muito para o ser humano virar bicho, observa Szifrón. Ele próprio é uma fera.

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Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 22/10/2014
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2014

RELATOS SELVAGENS
(Relatos Salvajes)
Argentina/Espanha, 2014
Direção: Damián Szifrón
Com Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia, Walter Donado, Rita Cortese, Julieta Zylberberg, Oscar Martínez, Germán de Silva, Erica Rivas, Diogo Gentile, Darío Grandinetti


Entrevista

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Ricardo Darín ()

Um excepcional homem comum

Não é acaso que Ricardo Darín, o mais popular e requisitado ator argentino, protagonize o episódio Bombita, que causa identificação imediata com a plateia – mas não com seu próprio intérprete.

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De todos os personagens do filme, o seu, o homem torturado pela burocracia, é o que está mais claramente no lugar do espectador comum.

Sim, porque é olhar para ele e já nos vemos em mil situações semelhantes pelas quais passamos: enlouquecendo numa repartição pública, discutindo no banco, perdendo horas numa fila e tentando fazer valer nossos direitos. Simon tem uma empatia e uma representatividade com o público que talvez nem mereça.

Por que não? Ele tem razão mas ninguém o ouve. O senhor não se imagina perdendo as estribeiras, como ele?

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É claro que me imagino mandando repartições pelos ares. Mas até na minha imaginação essa ideia me faz mal e me repugna. Eu perderia toda a razão: quem come um canibal não tem o direito de criticar a dieta dele, certo? E o fato é que ele pelo menos tem um guichê no qual reclamar. Já a população que vive na pobreza e no atraso não só não tem a quem se queixar, como é constantemente humilhada e atropelada.

Celebridades estão acostumadas a ser mimadas. Como não ser uma estrela nessas circunstâncias?

Não sendo, ora. Imagino que uma estrela olha no espelho e vê, sei lá, uma espécie de resplendor. Comigo não acontece nada disso.

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