Jura que você nunca viu… “A Doce Vida”, de Fellini? Pois continua genial
Poucos filmes deixaram um legado tão forte e duradouro quanto este, que estabeleceu o diretor como o maior entre os italianos
Em quase todas as cenas do filme, eles estão lá: montados em lambretas, câmeras a tiracolo, tomam as ruas de Roma como um enxame, perseguindo estrelas loiras, socialites decadentes, príncipes obscuros. Trata-se dos paparazzi, aqueles fotógrafos especialistas em flagrar celebridades desavisadas. O termo é conhecido e usado no mundo todo. Quem o criou foi o diretor Federico Fellini, que retratou esses fotógrafos em seu filme mais famoso e batizou um deles Paparazzo. Essa é, contudo, somente a mais ínfima das contribuições de A Doce Vida, que está disponível no Looke. É um desafio achar outro filme que, sozinho, tenha legado ao público tantas imagens e expressões — incluindo-se aí seu título. Primeiro, há o prazer de rever cenas como a da abertura, em que uma estátua de Cristo sobrevoa Roma pendurada a um helicóptero, ou a maravilhosa seqüência em que Marcello Mastroianni, enfeitiçado pela beleza de Anita Ekberg, segue-a Fontana di Trevi adentro. É, sem dúvida, a imagem mais duradoura do filme — até porque, na época, seu erotismo chocou os mais carolas. Mas, ao mesmo tempo que se vale dessa Roma agitada e feérica e da aura de escândalo para seduzir a plateia, A Doce Vida trata de lhe dar também urnas tantas pauladas, e das bem doloridas.
Fellini rodou sua obra-prima no momento em que, refeita da dureza do pós-guerra, a Itália se convertia em um dos eixos da vida mundana europeia. Seu personagem central é Marcello (vivido por Mastroianni), um jornalista especialista em publicar fofocas. O personagem, no entanto, vive em permanente crise interior porque se sabe um parasita, como o são também os paparazzi e os burgueses que perseguem, e que se ocupam tão somente de viver a vida como se ela fosse sempre doce. O personagem gosta de se imaginar transformado em escritor respeitável, mas, a cada festa e a cada amanhecer, ele vai se tornando tão vazio quanto seus companheiros. Ao final, a sensação que se tem é de que dele só sobrou a casca.
A Doce Vida marcou a ruptura das tênues amarras que ligavam Fellini ao movimento neo-realista e fez com que ele se estabelecesse como o maior entre os grandes cineastas italianos. Prova de que a fama se justifica é que, quase seis décadas depois de seu lançamento, A Doce Vida continua tão arrebatador e perturbador como no dia em que chegou aos cinemas.
Trailer
A DOCE VIDA (La Dolce Vita) Itália/França, 1960) Direção: Federico Fellini Com Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Magali Noël, Walter santesso, Yvonne Furneaux, Alain Cuny Onde: no Looke |