Não foi no ‘calor do momento’
Receita antiga, jogo de morde e assopra de Bolsonaro colocou Michel Temer no centro da articulação de forma aberta e calculada
O personagem encarnado ontem pelo presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal, depois de um recuo em seus ataques ao Supremo, é daqueles que todo mundo sabe que vai ter vida curta. O Bolsonaro supostamente repaginado pelo ex-presidente Michel Temer se refere a meios de comunicação de jeito manso, diz que que está “pronto para conversar”, que é um defensor da democracia e da Constituição e exalta a paz nas ruas.
Ele não abre mão de se queixar da mídia que o critica, mas não xinga os jornalistas e diz que a “imprensa é extremamente importante para todos nós”. “Eu sempre disse que ia jogar dentro das quatro linhas da Constituição”, disse. E àqueles que adoram um fogo no parquinho e reclamam da nota oficial escrita sob a tutela de Temer, pediu calma.
O jogo de Bolsonaro é dizer que exagerou ao achincalhar o Judiciário. Que foi sem querer, que a ideia não era bem essa. Esse jogo é velho conhecido dos brasileiros. Foi usado exaustivamente, por exemplo, quando Bolsonaro se tornou alvo de inquérito para averiguar a denúncia de interferência na Polícia Federal, feita pelo ex-superministro Sérgio Moro. Bolsonaro bate e depois faz um cafuné. Liga para os personagens que atacou, até elogia suas habilidades profissionais, fala em fazer o que é bom para o Brasil. Lá atrás, até se dispôs a demitir um de seus ministros mais fiéis, Abraham Weintraub, num gesto de paz para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao trazer Temer para o jogo, Bolsonaro pode até pintar a cena de que precisou dessa ajuda e que só as habilidades do ex-presidente foram capazes de demovê-lo da ideia de alimentar a crise. Mas se tem alguém que sabe jogar nos bastidores e ficar longe dos holofotes quando quer é Temer.
Se o governo, o ex-presidente e seu marqueteiro Elsinho Mouco escolheram fazer isso de maneira tão aberta, não foi sem querer. Tudo poderia ter acontecido sem que o ex-presidente emergisse como protagonista desse processo. Em vez disso, Bolsonaro mandou buscar Temer de avião e o trouxe para dentro do Palácio do Planalto. Num momento de isolamento do presidente e tensão na base aliada, fica a imagem de que um dos maiores partidos que controlam o centro do espectro político segue ao seu lado.