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Por Mariana Barros
A cada mês, cinco milhões de pessoas trocam o campo pelo asfalto. Ao final do século seremos a única espécie totalmente urbana do planeta. Conheça aqui os desafios dessa histórica transformação.
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Entrevista: “Um edifício é testemunha de seu tempo”, afirma o arquiteto Gustavo Penna

Ele assina o Museu de Congonhas, construído ao lado dos doze profetas de Aleijadinho, em Minas Gerais

Por Mariana Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 23h51 - Publicado em 15 dez 2015, 06h03

nome do projeto

Fachada do Museu de Congonhas, que abre ao público amanhã (Fotos: Leonardo Finotti)

Amanhã será aberto ao público o Museu de Congonhas, em Minas Gerais. O museu foi projetado pelo arquiteto mineiro Gustavo Penna, vencedor do concurso nacional que escolheu o desenho do local. O edifício de traços contemporâneos foi construído ao lado do santuário do Bom Jesus de Matosinhos, onde estão os doze profetas de pedra sabão do escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814).

O santuário é considerado Patrimônio Cultural Mundial, construído a partir de 1757 e  finalizado no início do século 19. O conjunto é formado pela basílica, escadaria em terraços decorada pelos profetas e seis capelas com cenas da Via Sacra. O museu servirá para mediar as visitas ao santuário e enriquecer ainda mais a visita. Dentro dele, estarão expostas a coleção Márcia de Moura Castro com 342 peças que pertenceram à colecionadora, e a coleção Fábio França, biblioteca de referência sobre barroco, arte e fé, reunida pelo pesquisador ao longo de quatro décadas.

Gustavo Penna, autor do projeto do Museu de Congonhas, é um dos principais nomes da arquitetura brasileira. Ele assina o monumento à Liberdade de Imprensa vencedor do prêmio do World Architecture Festival, e a Escola Guignard, em Belo Horizonte. É na capital mineira que Penna mantém seu escritório, desde 1974. Para comemorar os quarenta anos de criação, ele lançou no ano passado o livro Arquitetura Gustavo Penna Impressões, pela editoria BEI, que revela a poética presente na obra do arquiteto.

Para falar sobre o novo museu e sua visão sobre a arquitetura brasileira, Gustavo Penna respondeu a dez perguntas do blog Cidades sem Fronteiras. Confira abaixo.

Gustavo Penna e seu Museu de Congonhas

Gustavo Penna e seu Museu de Congonhas

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1. O Museu de Congonhas foi erguido próximo aos 12 profetas de Aleijadinho. Quais os cuidados necessários para que um edifício contemporâneo conviva com uma obra histórica dessa importância?

O edifício, para ser harmônico, precisa estar equilibrado em suas proporções e valorizar o conjunto tombado, configurando uma moldura forte e ao mesmo tempo silenciosa. Ele tem também de evocar os valores de estilo, os ritmos, as dimensões do ambiente e o momento em que ele se insere, sendo testemunha do seu tempo. É preciso dizer com clareza que essa obra foi feita neste tempo para homenagear o valor do passado. Foi isso o que busquei em Congonhas e outros projetos em sítios históricos, como a Academia Mineira de Letras, em Belo Horizonte, e o Museu de Sant’Ana, em Tiradentes.

2. Nos últimos anos, foi possível perceber um aumento do interesse geral pelas cidades — considerado por alguns o grande tema contemporâneo. O senhor concorda? Por quê?

É uma grande alegria ver as cidades no centro do debate e, mais ainda, perceber que a sociedade civil abraçou essa agenda e tem cada vez mais voz na formulação deste espaço de convivência humana por excelência. O mundo contemporâneo propõe que as cidades se tornem mais humanas, desenhadas para as pessoas que andam e que querem conviver. Elas precisam ser caminháveis. O olhar do pedestre, do caminhante se difere muito daquele que está dentro de um carro, numa velocidade completamente diferente da velocidade do homem. Andando conhecemos as casas, as esquinas, os perfumes e os personagens da vida cotidiana. Queremos que as cidades sejam vividas. O novo planejamento trabalha para valorizar esse contato humano e as livres manifestações. Além disso, ele pensa o conjunto e não os espaços isolados, une cidade e urbanismo, meio ambiente e patrimônio histórico, equipamentos de cultura e de encontro. A cidade passa a ser a soma de várias pequenas cidades, com certo grau de autossuficiência e interdependência. Substitui-se os grandes centros de comércio e os grandes pólos pela vida dos bairros. Deixamos aquele modelo antigo de departamentalizar, setorizar as nossas cidades.

Interior do Museu de Congonhas, de 3.500 metros quadrados

Interior do Museu de Congonhas, de 3.500 metros quadrados

 

3. Embora o Brasil seja um dos únicos países do mundo que entregou a um arquiteto a responsabilidade de projetar sua capital, hoje há arquitetos contratados por prefeituras com salário de 700 reais (caso de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro). Como isso pode ser explicado?

Em todas as profissões, infelizmente, há profissionais mal remunerados, mas os arquitetos ainda são muito mal compreendidos na sua função e na sua missão. Se você perguntar para um homem comum, muitas vezes, ele não vai saber qual a diferença entre o arquiteto e o engenheiro. Existe também esse conceito equivocado de que fazer arquitetura seja construir excepcionalmente, projetar palácios, grandes edifícios que são verdadeiros exercícios do desperdício. Quando vemos arquiteturas que atendem à população, como os espaços de convivência, as praças, os espaços populares, os museus, as escolas, vemos como eles extrapolam o uso cotidiano. A arquitetura pode atrair olhares, atrair usos e ser ferramenta de relacionamento humano. A arquitetura faz lugares para o homem, produz um bem essencial para a existência do planeta. Essa profissão não tem nada de supérflua, ela é fundamental.

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4. Qual a sua opinião sobre o recém-aprovado Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC)? Como ele deve afetar a arquitetura e as obras construídas no país?

Se o arquiteto é autor do anteprojeto, ele tem que ser o autor do projeto, caso contrário vira uma deturpação e se estabelece um conflito onde não havia. Permitir que uma terceira pessoa invada a área de concepção de um arquiteto é um erro ético e técnico. É como um artista que faz um esboço de um quadro e tenha que deixar que outro pinte o painel. Imagine Picasso pintando os esboços de Guernica e, na hora de produzir o painel, fazem uma concorrência para escolher quem irá pintá-lo. Não se pode dividir a responsabilidade técnica e muito menos a responsabilidade cultural. Além disso, um profissional tem que ir às últimas consequências daquilo que ele concebeu. Caso contrário, prevendo que não será o autor do projeto final, pode fazer um anteprojeto que não seja exequível. Ou, por outro lado, pode fazer um belo trabalho que outro corta completamente, mutila a ideia. Será que queremos um país de ideias mutiladas ou sem alguém que se responsabilize por elas?

Museu de Congonhas e o céu das montanhas de Minas Gerais

Museu de Congonhas e o céu das montanhas de Minas Gerais

5. Os principais eventos esportivos mundiais têm arquitetos responsáveis por estabelecer as diretrizes, caso, por exemplo, do  japonês Tadao Ando, encarregado dos preparativos para as Olimpíadas de Tóquio 2020. O senhor fez o projeto inicial do novo estádio do Mineirão. Acha que o Brasil deveria ter um arquiteto que se responsabilizasse pelos preparativos para a Copa do Mundo e/ou das Olimpíadas?

O arquiteto não é um especialista. A cidade, o transporte, as tecnologias contemporâneas, a história, a antropologia, águas pluviais, fogão e maçaneta, tudo isso interessa a ele. Por isso toda vez que o arquiteto entra numa equipe, para construção de um espaço maior, ou mesmo para a construção de um momento como a Copa e as Olimpíadas, sua visão é abrangente. É preciso se valer das ferramentas para contratação, como concursos e licitações, mas acredito sempre na mistura cultural ou mesmo de especialidades. Deixar somente um arquiteto pensar todas as alterações tão complexas das nossas cidades não me parece uma boa solução. É preciso somar os olhares e os saberes.

nome do projeto

Museu de Congonhas

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6. Qual o peso da influência modernista na produção contemporânea brasileira?

Os fundamentos modernistas são muito próprios da nossa tropicalidade. Eles propuseram alterar a concepção de prédios simétricos presos ao chão pesadamente, e trouxeram os prédios que dialogam com o ambiente, que se integram ao entorno e abrem janelas para a paisagem. A preocupação com a vedação é muito diferente das regiões temperadas. Somos convidados a trabalhar nas transições do interior para o exterior. Considerar o espaço externo, tão arquitetado quanto o espaço interno. São essas abordagens modernistas que influenciam naturalmente a nossa maneira de projetar. É muito interessante pensar a arquitetura dessa forma e fazer com que os prédios deixem de ser somente aquilo que está dentro deles para ser um elemento de diálogo da sociedade.

7. Os starchitects, arquitetos autores de prédios monumentais, foram criticados por erguerem edifícios pouco conectados com as cidades onde estão. O senhor concorda com esta crítica? 

Essa definição muitas vezes engloba belos e péssimos exemplos. De fato, não temos condições de assumir obras perdulárias, que gastam milhões para serem executadas. Nosso desafio aqui no Brasil é completamente diferente: temos que ser extremamente expressivos usando poucos recursos. É saber usar aquilo que está ao alcance da mão sem economizar na beleza e na expressividade. O edifício tem que ter uma compreensão generosa de todos esses “chãos” para os quais foi feito: não só o topográfico, como disse antes, mas também o chão econômico, o cultural, o histórico, o social, tudo o que compõe o momento em que o novo edifício está nascendo.

8. O senhor costuma dizer que seus projetos são influenciados pelo terreno, no qual busca fazer o mínimo de intervenções possível. Por quê?

Eu imagino um prédio para o terreno e não um terreno para o prédio. O chão é minha fonte de inspiração, coadjuvante do processo criativo, e seus valores, como as visadas, o sol, o vento, uma árvore, um afloramento de pedra, se incorporam à arquitetura. Para mim, aquele acréscimo que o relevo obriga ao prédio é parte do projeto. A arquitetura é o resultado da observação dessas coisas que nos envolvem, são elas que dão caráter ao projeto, revelando harmonia com o lugar onde ele se assenta.

9. No ano passado, o senhor venceu o World Architecture Festival Award na categoria Cultura/Projetos Futuros com o monumento à Liberdade de Imprensa, que será construído em Brasília. O que o desenho representa e o que o inspirou a criá-lo?

A liberdade de imprensa não é somente aquela que se quer para o jornalista, de escrever o que quiser sobre qualquer pessoa ou tema. A liberdade de imprensa é também o direito do cidadão de ter acesso à informação, poder interpretá-la e formar opinião. Este é um valor da nossa sociedade conquistado a duras penas. A proposta do monumento é criar uma forma livre, com dois tempos: um tempo é o fato, a verdade, que não podem ser inventados, por isso é representado por uma forma presa ao solo, pesada, a base jornalística. O outro tempo é da interpretação e da opinião. Este é o que liberta e cria uma forma leve, aérea, feita de vidro. O vidro traz também essa dimensão da fragilidade, já que a liberdade de imprensa precisa ser cuidada permanentemente. No fim, o projeto é uma forma luminosa, aérea, frágil, mas também sólida, uma parte raiz, chão e verdade, a outra, interpretação.

Monumento à Liberdade de Imprensa, de Gustavo Penna

Monumento à Liberdade de Imprensa, de Gustavo Penna

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10. Ser mineiro influenciou o conjunto de sua obra? De que maneira?

Influenciou e influencia muitíssimo. Sou mineiro, portanto montanhês, e amo as montanhas. Elas são a nossa arquitetura geológica, nosso condicionante de desenho, são os edifícios da natureza. Também busco concisão nos projetos, como Drummond propunha ao dizer que “escrever é cortar palavras”. Meu grande mestre Amílcar de Castro, cuja influência carrego comigo, produziu uma obra de imensa potência expressiva, força visual e poética com poucos gestos. Um corte e uma dobra, só um corte, só uma dobra, e com isso ele fazia tudo mudar em volta.

Por Mariana Barros

 

SERVICO – MUSEU DE CONGONHAS

O Museu de Congonhas ficará aberto ao público, de terça a domingo, das 9h às 17h; e quartas, das 13h às 21h. Os ingressos custam 10 reais. Haverá visitas guiadas. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (+55-31) 3731-3056.

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