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Por André Sollitto e Ricardo Amorim
Novidades e reflexões sobre o mercado da cannabis legal, no Brasil e no mundo
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A Anvisa e a missão de alterar a realidade da ‘Cannabis’ medicinal

Mercado terapêutico já funciona no país por meio de importadores autorizados, cultivadores amparados pela Justiça e, claro, muita clandestinidade

Por Ricardo Amorim Atualizado em 31 jul 2019, 11h27 - Publicado em 31 jul 2019, 10h35

Muita gente se espanta quando digo que a Cannabis medicinal já é reconhecida e permitida pelas autoridades brasileiras. Esse mercado vem funcionando, pelo menos oficialmente, desde 2014, quando a Anvisa passou a autorizar a importação de medicamentos produzidos à base da erva. Atualmente, as regras para importar os produtos estão estabelecidas na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) número 17 de 6 de maio de 2015. O texto “define os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde”.

O processo é longo, caro e burocrático: exige receita e laudo médico, termo de responsabilidade, especificação exata do medicamento a ser importado, doses e prazo para o tratamento, além de justificativa para a escolha da terapia canabinoide. Desde que a RDC 17 passou a vigorar, a Anvisa já emitiu mais de 7 mil autorizações para pacientes brasileiros, em trâmite que, entre a entrega dos documentos e a emissão da autorização, leva 55 dias.

Por serem importados, a maioria dos Estados Unidos e do Canadá, os remédios são cotados em dólares e custam caro. Dependendo da dosagem e característica dos produtos, os tratamentos podem passar fácil dos 3 mil dólares por mês. Obviamente a maioria da população não tem condições de arcar com essa despesa e muitos têm recorrido à Justiça para obter os medicamentos por meio do SUS, pagos com dinheiro dos contribuintes. Outra opção são os habeas corpus concedidos pelo Judiciário para que os pacientes possam cultivar sua própria planta e obter dali os canabinoides para seu tratamento.

Não é o ideal: os produtos podem variar sensivelmente a cada colheita e os controles de qualidade e padronização ficam muito aquém do oferecido pela indústria. Mas é a solução encontrada por pacientes que têm conquistado qualidade de vida e mais saúde graças ao cultivo doméstico. Por fim, há o mercado negro. Não é difícil encontrar na internet ofertas de “medicamentos artesanais” com CBD e THC, princípios ativos mais abundantes na erva, os tais canabinoides mencionados na RDC. Por ser relativamente segura, a terapia canabinoide não oferece muitos riscos além da ineficácia. Não há registro de complicações por overdose de cannabis na literatura médica disponível.

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Diante dessa realidade, o que propõe a Anvisa? Regulamentar o mercado, autorizando o cultivo e produção dos medicamentos em solo nacional, a fim de promover a redução de custos e incentivar o desenvolvimento de uma indústria brasileira de cannabis medicinal. O potencial brasileiro para se tornar uma potência nesse mercado é enorme: temos solo, sol, clima, água e muita experiência e tecnologia no agronegócio. As regras propostas pela agência, no entanto, não indicam o aproveitamento de todos esses recursos, já que sugerem o cultivo em ambientes fechados, com iluminação e ventilação artificiais. Ou seja, é uma indústria que já nasceria ineficiente sob os aspectos ambiental e econômico.

Do lado do acesso, outro problema: uma vez nacionalizada a indústria da Cannabis medicinal, o que fazer com quem cultiva e se trata com os medicamentos domésticos? Vão proibi-los de continuar usando os produtos caseiros? Me parece um exagero. Pense nos remédios contra azia e má digestão, por exemplo. Mesmo amplamente disponíveis no mercado a preços módicos, muita gente prefere tomar chá de boldo. Vamos proibir o boldo? Se preferirem a analogia com doença mais séria, temos o caso da fosfoetanolamina, considerada por alguns como opção de tratamento para o câncer. Apesar de as evidências científicas apontarem para sua ineficácia, não acho que o Estado deva proibir o cidadão de usar o produto, somente alertá-lo para os riscos e, claro, jamais pagar pelo tratamento.

O assunto é complexo e envolve a saúde de milhões de pessoas. A Anvisa acerta ao abrir uma consulta pública para discutir a regulamentação da cannabis medicinal. Como demonstrado, o mercado já existe, opera com relativa eficiência e cresce a cada dia. Devemos trabalhar para que as decisões regulatórias sejam tomadas com base em fatos e dados, amparadas pelas melhores evidências científicas e levem em consideração os aspectos econômicos, ambientais e, principalmente, humanos. E lembrar, sempre, que não se altera a realidade por decreto.

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