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Valentina de Botas: Acaba o foro, continua a impunidade

Como reza a lenda, todos são iguais perante a lei, então que sejam todos iguais perante a lei

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h40 - Publicado em 30 nov 2017, 11h37

Rodrigo Janot saiu da Procuradoria Geral da República, mas a PGR não saiu dele; Raquel Dodge entrou na PGR, mas a PGR não entrou nela e os tuiuiús ainda dão seus saltos para voos desengonçados. Alguns procuradores do MPF comportam-se como títeres com crachá e aposentadoria integral. Os políticos delinquentes, sem surpresa, tentam escapar da polícia. O Brasil é a casa da sogra de cada um deles; e a lei, uma mesa bamba onde todos descansam os pés sujos. Enquanto isso, a discussão psicótica sobre o fim do foro por prerrogativa de função, vulgo foro especial ou privilegiado, ilustra nossa vocação para o acessório evitando o essencial.

A Revista de Direito Público divulgou um estudo, no respectivo site, sobre o foro privilegiado, revelando que há 54.990 autoridades, no Brasil, com direito a ele. O número é alto se comparado a democracias maduras que têm o mesmo instituto, mas democracias maduras não têm o tamanho do Estado brasileiro; então, constatemos que nosso atraso é coerente consigo mesmo. Contudo, creio que, para efeito de eficiência da Justiça, não importa o número de autoridades com foro especial, mas que, em qualquer instância, a morosidade patológica seja abolida para que a prescrição e a consequente impunidade não vigorem.

Nosso sistema de Justiça é caro e dramaticamente ineficaz. Em qualquer instância. Eis nossa tragédia, o monstro cujos olhos este debate de 3ª série C evita que fitemos. Passar 50 mil autoridades do foro privilegiado para a 1ª instância só desloca o vício de lugar, é uma questão acessória à vergonha que nos faz uma nação primitiva em que a impunidade parece a razão de existir do Judiciário na sua inteireza. Qual a diferença, além de nenhuma, o caso de uma autoridade prescrever no STF ou, com o fim do foro, prescrever no caminho pavimentado por recursos, entre a 1ª instância e o STF? Nenhuma.

Capitaneado pelo ministro Barroso, o STF está decidindo o fim do foro privilegiado para políticos; Toffoli pediu vistas porque o Congresso também está mudando a legislação pertinente, mas incluindo o Judiciário (com STF, PGR e tudo o mais). Está errado, mas está certo: se, como reza a lenda, todos são iguais perante a lei, então que sejam todos iguais perante a lei. O bizarro, neste país-estufa de bizarrices com vista para o Atlântico, será ver a coisa chegar, de recurso em recurso, à instância superior cabível. Exatamente como é hoje.

Mas o que importa é o teatral combate-à-impunidade num país onde 92% dos assassinatos ficam impunes sem que Barroso se comova com isso. Claro, pois se a alma de legislador num corpo que não lhe pertence quer a liberdade para um Battisti condenado, fraudou o regimento da Câmara para impedir o impeachment de Dilma, defendeu os embargos infringentes para José Dirceu, lutou pelo perdão a Joesley Batista e pretendeu aplicar “medidas cautelares” incabíveis contra um senador na compulsão de rasgar a CF (livrinho de rara e longínqua referência para Barroso) e, vencido, lacrou numa entrevista que tal decisão “entrará para a antologia dos erros do STF”, atacando este que foi um dos poucos acertos da corte no ano. Felizmente, num STF com Roberto Barroso, há um Gilmar Mendes.

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Removam-se dos parlamentares e dos governantes seus gabinetes e seus V.Excia. O que sobra? Homens. Removam-se o crachá, a aposentadoria integral e as benesses dos procuradores. O que sobra? Homens. Removam-se a toga e as prosopopeias dos juízes e ministros dos tribunais. O que sobra? Homens. Então por que diabos uns homens seriam mais puros, de coração desinteressado, do que outros, merecendo uns o tal foro e outros, não? Não se trata de indivíduos, mas do cargo? Então que se resguardem somente os cargos de chefia dos poderes, como determina a PEC que tramita no Congresso. 

Vamos falar a sério sobre impunidade? Há foro especial para 55.200 (92% do total) assassinos que ficam impunes a cada ano no Brasil? Dos 60 mil assassinatos anuais no país, somente 8% são julgados segundo a Associação Brasileira de Criminalística. Não estou negando que os políticos delinquentes desfrutem do quase imobilismo da Justiça, estou dizendo que ele a infecta por inteiro e que ações contra a impunidade só serão frutíferas se considerarem essa realidade. Enquanto bandidos ricos e/ou poderosos contam com brechas legais e recursos jurídicos acionados por advogados caros – lembrando que o Estado gasta uma fortuna com a Defensoria Pública – para alcançar a impunidade, bandidos pobres a obtêm pela inépcia do Estado na apuração dos crimes. A Justiça não apura crimes, esclareço, ela os julga; a polícia e o MP os apuram, por isso uso a expressão “sistema de Justiça” já que a polícia e o MP o integram conceitualmente, digamos.

A Lava Jato é diferente, ainda bem, razão pela qual não é exemplo. Ela é outro mundo com juízes exclusivos e, na comparação do rendimento das instâncias inferiores e o do STF, tem sido esquecido o detalhe relevante: o MPF/PGR levou a LJ para o STF dois anos depois de já instalada em Curitiba. Além disso, Lula não precisou de foro especial para continuar solto, voando em campanha nas asas de medidas menos gravosas e atacando quem o deixou voar. Dallagnol o prendeu num power-point e mudou de calçada, passando a proclamar cotidianamente que os políticos-querem-acabar-com-a-Lava-Jato. Com algum respeito pelos brasileiros que não sofrem de herói-dependência, o procurador reconheceria que não tem o direito de falar isso quem deixou solto o pai do petrolão.

Você não tem problemas com a lei, ganha a vida honestamente e ajuda velhinhas a atravessar a rua mesmo que elas não queiram? Não é o bastante para fazer críticas ao Judiciário e às respectivas “extensões” (MFP, Lava Jato) com suas aposentadorias acima do teto, auxílio-moradia inconstitucional (garantido pelo ministro Luiz Fux, outro habitante da lacrosfera) e demais imoralidades: você será acusado de defender-bandido. E é assim que se pretende poupar o caro e ineficaz Judiciário, com uma multidão de 140 mil funcionários, para extinguir o foro especial somente dos políticos, o que significará a intocabilidade de um poder e a manutenção da impunidade. Não aplaudo esta farsa. Vão indo que eu não vou.

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Antídoto

“O Livro dos Insultos”, de H.L. Mencken, fundamental em tempos de semideuses que oprimem meros humanos, da patrulha que nos quer rotulados, de santos que nos entendiam, de perfeitos que nos humilham. Em tempos da feijoada light, da cerveja sem álcool, do café sem cafeína, da vida extraído o nervo, da água puríssima que adoece quem a bebe, enfim dessas coisas que prometem nos levar sãos e salvos para o túmulo. Em tempos da autopiedade que faz tantos acharem que o mundo lhes deve tudo, da coragem dos bandos para odiar em nome do bem, da vergonha ou medo de amar. Em suma, antídoto para esses tempos chatíssimos. Estou lendo pela terceira vez e recomendo vivamente. Tradução e prefácio do excelente Ruy Castro.

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