Três assaltos com Paulo Maluf, aquele que por pouco não virou presidente do Brasil
PUBLICADO EM 23 DE NOVEMBRO DE 2010 PRIMEIRO ASSALTO (sala de estar da mansão na Rua Costa Rica, no Jardim América) ─ Que livro o senhor está lendo? ─ pergunto ao governador Paulo Maluf no meio da entrevista para as páginas amarelas de VEJA. Eu decidira introduzir o tema por dois motivos. Primeiro: interromper a […]
PUBLICADO EM 23 DE NOVEMBRO DE 2010
PRIMEIRO ASSALTO (sala de estar da mansão na Rua Costa Rica, no Jardim América)
─ Que livro o senhor está lendo? ─ pergunto ao governador Paulo Maluf no meio da entrevista para as páginas amarelas de VEJA.
Eu decidira introduzir o tema por dois motivos. Primeiro: interromper a discurseira sobre Petropaulo, rodovias, viadutos e outras façanhas administrativas do entrevistado ─ em São Paulo, como se sabe, tudo foi Maluf quem fez. Segundo: como políticos brasileiros não têm muita intimidade com estantes, queria pegá-lo no contrapé.
– A Terceira Onda, do Alvin Tofler – responde de bate-pronto.
Era o sucesso da hora. Tratava de novas tendências da economia, como a terceirização de serviços, e já vendera milhões de exemplares no mundo inteiro. Ele nota que estou surpreso e parte para a ofensiva.
– Você já leu?
– Ainda não.
– Pois leia. Vai aprender alguma coisa.
O Doutor Paulo vence o primeiro assalto.
SEGUNDO ASSALTO (estúdio da TV Gazeta, Avenida Paulista)
─ Que livro o senhor está lendo? – volto a perguntar dois anos mais tarde ao ainda governador Paulo Maluf.
Como a conversa no programa Veja Entrevista se arrastava por canteiros de obras e promessas a cumprir quando chegasse à Presidência da República, resolvera repetir o truque.
– A Terceira Onda, do Alvin Tofler ─ responde de bate-pronto.
Contenho o entusiasmo ao deduzir que ele havia esquecido a conversa anterior. Chegou a minha vez, penso enquanto saboreio antecipadamente a vingança. Solto o direto no fígado:
─ Ainda não acabou de ler ou está lendo de novo?
─ Como assim? ─ ele parece intrigado.
─ Há dois anos, o senhor me disse que estava lendo esse livro. Quero saber se não chegou ao fim ou se gostou tanto que resolveu reler.
Maluf parte para o improviso sem pausa:
─É o meu livro de cabeceira.
Acuso o contragolpe e ele retoma a ofensiva:
─ E você, já leu?
Não, ainda não lera.
─ Está perdendo uma boa chance de melhorar a cabeça ─ ironizou.
O Doutor Paulo vence o segundo assalto.
TERCEIRO ASSALTO (estúdio da RBS TV, Porto Alegre)
– Que livro o senhor está lendo? – pergunto oito anos depois do segundo assalto ao agora prefeito Paulo Maluf.
A entrevista está chegando ao fim, eu nem planejara surpreendê-lo, só resolvera mudar de assunto. Maluf, sempre sem pausas:
– A Terceira Onda, do Alvin Tofler.
Quase caio da cadeira. Demoro a acreditar no que acabei de ouvir. O prodígio de memória capaz de chamar pelo nome todos os integrantes da família real saudita ─ um viveiro de Abns e Ibns ─ esqueceu que já dissera aquilo duas vezes. Desta ele não vai escapar.
– Acho estranho ─ começo. ─ Há dez anos, o senhor me disse que estava lendo isso. Há oito anos, também. O senhor só leu esse livro?
O Grande Falante emudece momentaneamente. Parto para o ataque:
─ Já li o livro ─ antecipo-me.
Estou mentindo, mas Maluf não tem como saber.
─ Achei só razoável, não é coisa para se ler a vida inteira ─ tripudio.
E então consigo o milagre: ele perde a calma.
─ Eu leio o que quero! ─ esbraveja. ─ Você não tem nada com isso! E isso não é assunto para entrevista séria! Ou mudamos de tema ou paro por aqui!
Mudamos de tema e a entrevista prossegue sem mais sobressaltos.
Perdi a luta por 2 a 1. Mas achei que fui tão bem no terceiro assalto que me atribuí o título de campeão moral.