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Por Coluna
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Sem sinal

Desisti de pensar como seria ouvir as vozes de quem já se foi para não sei onde

Por Heraldo Palmeira
Atualizado em 30 jul 2020, 20h18 - Publicado em 29 set 2018, 11h26

Heraldo Palmeira

Estava pensando no projeto de mais um livro e fui reler alguns textos que escrevi há algum tempo. Era sobre a pressa cotidiana, a angústia que deixa de ser só de Paulinho da Viola para ser nossa.

Olá, como vai?

Eu vou indo e você, tudo bem?

Tudo bem, eu vou indo correndo

Quanto tempo… pois é…

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Quanto tempo…

Me perdoe a pressa

Oh! Não tem de quê

Eu também só ando a cem

Precisamos nos ver por aí

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Pra semana, prometo

Talvez nos vejamos

Quem sabe?

Quanto tempo… pois é… quanto tempo…

Tanta coisa que eu tinha a dizer

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Mas eu sumi na poeira das ruas

Eu também tenho algo a dizer

Mas me foge a lembrança

Por favor, telefone, eu preciso

Pra semana

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O sinal …

Eu espero você

Vai abrir…

Por favor, não esqueça

Adeus…

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Os amigos se espalharam por cidades diferentes e distantes, cumprindo os êxodos necessários para garantir a sobrevivência. Celulares, tabletes, computadores e internet suprem, na medida do possível, a falta da convivência cotidiana. Abrem nossos sinais fechados.

De repente, aquelas mensagens de notificação de caixa postal cheia aparecem uma, duas, diversas vezes para um mesmo amigo. Ou o jogo das cores do acompanhamento dos posts das redes sociais quebra o ritual da rotina.

É a fagulha que aperta o coração, que acende um sinal de alerta. E não há sossego até que tudo fique esclarecido: simples correria cotidiana, viagem de trabalho, férias, convalescença, “não vi” ou, a menos desejada das constatações, saída definitiva de cena ─ não sossega, apenas conforma.

Nossa última conversa foi por telefone, achei que ele estava fora de sintonia, rateando, pontos sem nexo na conversa. Parecia uma antena captando sinais misturados. Parecia uma salada sem harmonia nas frutas. Parecia que a fala perdera o sincronismo com o pensamento. Um amigo comum confirmou, “o alemão maldito” estava na área.

As mensagens por zap ainda eram lidas, deixando marcas azuis. As respostas, quando vinham, eram monocromáticas. De repente, os dois pauzinhos entraram em alerta cinza, não se transformavam mais em marcas azuis. Finalmente, apenas um pauzinho cinza para o que já não chegava ao destino, sinal de que não haveria sinal. Dias depois, a confirmação por meio de uma amiga comum. “Sentiu-se mal, foi ao hospital, ficou internado, saiu andando para casa. Mal chegou e veio o infarto. Fulminante! Nem deu tempo de voltar ao hospital”.

Fica aquela sensação de vazio. O que era já não é e não mais será. Ponto. Final! Final? A fé nos diz algumas coisas, em diversos credos. Dúvida! Sim, temos o direito de ficar nela, pois nada é garantido, nada é líquido e certo como dois e dois são aqueles cinco da canção. E nem isso é seguro.

Não há como manter a conexão entre contatos digitais e espirituais, resta o momento de deletar do mundo virtual aquele contato, pois o amigo virou apenas uma lembrança sem forma e sem conteúdo. E a gente procura em desespero algum áudio derradeiro para lembrar ─ todos foram deletados para liberar memória.

E a gente olha para a foto, relê os últimos posts, prestes a apagar um pedaço da própria história. E sai marcando tudo até dar o clique final, como se apagasse as luzes de um depósito de afetos, deixando para trás a escuridão do que não terá mais qualquer sequência, uma nuvem que armazenará doravante apenas saudade.

Vejo caminhões

E carros apressados

A passar por mim

Estou sentado

À beira de um caminho

Que não tem mais fim

Olho pra mim mesmo e procuro

E não encontro nada

Sou um pobre resto de esperança

À beira de uma estrada

Carros, caminhões, poeira, estrada

Tudo, tudo se confunde

Em minha mente

Minha sombra me acompanha

E vê que eu

Estou morrendo lentamente

Preciso acabar logo com isso

Preciso lembrar que eu existo

Que eu existo, que eu existo…

Num esquecido jornal de ontem, tido como algo fora de moda, leio que um observatório espacial em algum lugar do planeta foi fechado temporariamente, numa operação cercada de sigilo e assombros. Depois, os cientistas explicaram que haviam captado sinais de rádio vindos de alguma galáxia distante. Diziam que, desta vez, eram muito fortes, como nunca havia sido.

Outras vozes terrestres começaram a suspeitar de uma possível espionagem da faixa de testes de mísseis do Exército americano. Outros mais animados com teorias da conspiração disseram que uma tecnologia de última geração instalada no observatório teria captado algo tão complexo que deve ser mantido em segredo ─ vida extraterrestre, OVNIs, sinais da morte gradual do sol…

Para apimentar o tempero, o fato de o observatório estar a menos de duzentos quilômetros do local onde ocorreu o caso Roswell ─ um dos incidentes mais famosos da ufologia mundial, aquele em que material de discos voadores acidentados e corpos de alienígenas teriam caído numa fazenda americana e levados pelos militares para local secreto.

Éramos poucos ali ao redor da família. Fomos saindo devagar. Larguei o jornal de ontem, esquecendo-o de novo, sem escolher lugar. Aquele amontoado de papéis impressos parecia um nobre que virou mendigo, um paletó roto e esfarrapado que nem o dono reconheceria, um retrato esmolambado da comunicação. Como se fosse vítima da sua própria teoria da conspiração, abduzido e condenado pelas novas mídias destinadas a alienígenas que não se deixam seduzir pelo cheiro da tinta que suja dedos, pelo tato naquele papel que já foi finlandês, pelo barulho contagiante das antigas redações, pela boemia obrigatória dos jornalistas depois do fechamento da edição.

Pensei na fábrica finlandesa de papel que mudou de ramo e transformou-se num gigante da tecnologia digital. Como se fosse penetra de festa. Como quem entrou no coração da besta e encontrou a saída. Contando ninguém acredita.

Já desisti de acreditar no possível, diante de tantos impossíveis críveis! Mas fiquei imaginando a respeito daqueles sinais vindos de fora da Via Láctea, de bilhões de anos-luz, seja lá onde isso fique. Eram tão fortes, como nunca antes, e assustaram mesmo cientistas, ou foram plantados na imprensa para nos assustar?

Olhei para cima e não ouvi nada, não enxerguei nenhuma onda, nenhuma possibilidade, nenhum sinal. Só captei a escuridão acima das estrelas e, daí por diante, quanto menos eu via, mais escuro, maior a necessidade de fé.

E se eram sons incompreensíveis, seriam parecidos com aqueles do sobrenatural que ouvimos nos filmes? E se fosse apenas uma brincadeira de Deus, nos permitindo ouvir um sussurro da Eternidade nos sugerindo tomar juízo antes do Juízo Final?

Desisti de pensar como seria ouvir as vozes de quem já se foi para não sei onde ─ será que fica a anos-luz daqui? Credo, cruz, Ave-Maria! Saravá, pé de pato, mangalô trêis vêis!

Trechos de:

Sinal Fechado (Paulinho da Viola)

Sentado à beira do caminho (Roberto Carlos-Erasmo Carlos)

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