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Por Coluna
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Que as mortes não nos separem

A presença de um Exército que cumpre as leis não pode ser comparada à presença de traficantes com fuzis ou milicianos armados

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 20h31 - Publicado em 23 mar 2018, 13h02

Fernando Gabeira, publicado no Estadão

A morte de Marielle Franco e 60 mil mortes estúpidas registradas anualmente no Brasil deveriam unir-nos. Ou, pelo menos, nos aproximar. Mas não é isso que acontece no momento. Prevalecem discursos de ódio e a exploração política mais descarada.

Até autoridades engrossam o coro dos que tentam reescrever a história da vereadora, atribuindo-lhe um passado inexistente. O PT afirma que a morte de Marielle e a pena de Lula são faces de uma mesma moeda. Dilma a considera uma parte do golpe.

A sensação de emergência com que vejo o problema da segurança pública no Rio às vezes me faz sonhar romanticamente com uma solução parecida com a que demos ao surto de febre amarela. Havia um problema, definiu-se a saída – vacinação – e as pessoas foram aos postos saúde. Nas filas, ninguém gritando “fora Temer”.

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Era um tipo de problema que precisava ser enfrentado, não importa quem estivesse lá em cima. Restou apenas uma pequena minoria contra vacinas que defendeu suas ideias na rede, democraticamente, sem agressividade.

É impossível transplantar esse comportamento para a segurança pública. As saídas são mais complexas. E há um pesado clima político-ideológico em torno delas.

No entanto, não creio que o Brasil se resuma ao debate ensandecido, com tanta gente zangada e os robôs incendiando a discussão. Existe um espaço racional de conversa, sobretudo para um tema tão atacado pela esquerda e pela própria Marielle: a intervenção federal na segurança do Rio.

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O primeiro desafio é desvendar o crime. Houve um debate inicial sobre federalizar ou não as investigações. Temo que isso nos leve aos impasses de quando surgiu a dengue: estadual ou federal?

A hipótese indicada, creio, é reunir o que há de melhor tanto na polícia do Rio quanto nos quadros federais. Mesmo porque a polícia do Rio tem experiência no campo.

Todavia é razoável desconfiar da possibilidade de um trabalho isolado. Mas não deixa de ser uma contradição aparente: combater a intervenção federal e duvidar da capacidade da polícia. Os que o fazem desprezam a desconfiança que grande parte dos cariocas tem na capacidade da polícia de deter sozinha o avanço da ocupação armada.

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Usei a expressão aparente contradição porque cabe argumentar que uma coisa é a investigação técnico-científica e outra, a crítica à presença do Exército nas favelas do Rio.

O argumento dos defensores dos pobres, às vezes sem consultar realmente os pobres, é de que a presença do Exército traz ameaças aos direitos humanos. Mas a presença de um Exército que cumpre as leis, que tem regras de engajamento transparentes, não pode ser comparada à presença de traficantes com fuzis ou milicianos armados.

Entre um Exército ostentando a bandeira do Brasil e outro exército, de boné e sandálias, mas com modernos fuzis, parece existir uma hesitação. Como explicar isso?

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De um lado, a dificuldade de compreender que os anos passaram e o Exército Brasileiro está comprometido com a democracia. De outro está a romantização dos bandidos. Não me refiro apenas às conversas em torno do chope nos botequins da vida. Nem à simples interpretação vulgar do marxismo. Essa romantização está presente em textos de eruditos de esquerda, como o historiador Eric Hobsbawn. Ele via o banditismo como reação a certas condições sociais. Apesar de brilhante, interpretava o mundo apenas com os olhos do marxismo.

No cenário cultural brasileiro, discutiu-se muito a frase de Hélio Oiticica “seja marginal, seja herói”, como um exemplo disso. Nesse caso específico, entretanto, creio que Oiticica falava do criador e sua relação com o mercado de artes plásticas.

O argumento dos opositores da presença militar é o de que os favelados são incomodados pelo Exército. A verdade é que, às vezes, são estuprados por traficantes, achacados pelas milícias, que vendem de tudo, do gás ao acesso à televisão fechada. E não há espaço para a sociedade monitorá-los amplamente, como o faz com o Exercito.

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Um dos argumentos do PSOL é que a intervenção não é necessária. Talvez ele se apoie nos índices de homicídios mais altos, como os do Ceará e de outros Estados do Nordeste, por exemplo. Mas não enfrenta a questão específica do Rio: a ocupação armada. Como resolvê-la?

A resposta, nesse caso, costuma estar na ponta da língua: educação, saúde, saneamento, cultura. Mas como chegar lá com isso tudo?
A presença dos militares em si também não resolve o problema de fundo. Mas abre caminho para que a polícia estadual se recupere e tente reduzir a mancha territorial ocupada.

Alguns traficantes toleram o trabalho político em suas áreas. No caso da Vila Cruzeiro, do Complexo do Alemão, liberavam algumas ruas para o corpo a corpo eleitoral. Mas isso são concessões, migalhas de liberdade, pois não só o governo, como todos os candidatos devem ter acesso irrestrito a todos os pontos da cidade.

Às vezes, alguns mais exaltados nos dão a impressão de que, se a favela de repente tivesse segurança e todos os serviços básicos assegurados, seu discurso cairia no vazio, não saberiam mais para onde apontar a luta. Quando Temer decretou a intervenção na segurança, Bolsonaro disse que estava roubando sua bandeira.

Todos sabemos que Temer não se preocupa senão com a própria sorte e a do seu bando, já dizimado pela Lava Jato. Se a intervenção conseguir equilibrar as forças no Rio e contribuir para o longo processo de libertação de parte do território, muitas bandeiras podem ser roubadas também.

Não há nada a temer. Outras virão. Uma delas, congelada há algum tempo, são os escritórios de arquitetura destinados a orientar construções e reformas. Beleza, funcionalidade e conforto, de alguma forma, podem ser acrescentados aos morros pacificados.

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