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Por Coluna
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O Brasil no livro de uma professora

O brasileiro médio é conservador e há razões complexas e profundas para seu comportamento, sobretudo político

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 20 Maio 2018, 11h23 - Publicado em 20 Maio 2018, 11h23

Deonísio da Silva

“Tudo deve mudar para que tudo permaneça como está”, diz Tancredi, o sobrinho oportunista de Don Fabrizio, em O leopardo, romance do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa. O livro tem este título porque a figura do animal está no brasão da aristocrática família siciliana.

O Brasil está na primeira metade do século XXI e como até o passado é difícil de prever em nosso País, é instrutivo ler um delicioso livro intitulado Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil, de Ina von Binzer, publicado em 1980, pela Paz e Terra.

Em 1881, a professora importada diz em carta que escreveu às amigas deixadas na Alemanha: “Estou trabalhando na Fazenda São Francisco. Sinto muito não escrever hacienda, pois vocês estão convencidas de que é assim que se diz”.

Não era. Portugal operara duas grandes transformações no Brasil: implantara o catolicismo mais reacionário do mundo, o do Concílio de Trento, graças sobretudo às ordens religiosas, e fizera da língua portuguesa o idioma oficial do Brasil, cobrindo todo o território nacional, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, com leves variações dialetais que não impediam entretanto que todos se entendessem em português.

Portanto, o nome da propriedade não homenageava nenhuma personalidade política e, sim, um santo, e não era hacienda, era fazenda.

O proprietário, o doutor Rameiro, que contratara a alemã Ina von Binzer como professora particular de seus filhos, foi em pessoa buscá-la na estação, a bordo de uma carruagem europeia, puxada por cavalos bem arreados, dirigidos por um “cocheiro preto”, “um autêntico escravo, de narigão chato”, que olhava para a professora e para o patrão “com bondade”.

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Nas entrelinhas, mais algumas informações sobre o latifundiário, senhor de duzentos escravos, que a professora não sabia por que era chamado de doutor “e duvido muito que ele próprio saiba encontrar a razão deste tratamento”.

Concluía que “todo brasileiro bem colocado na vida já nasce com direito a esse título, o que me parece uma falta de modéstia”. Apesar da profusão de bacharéis que um dia infestaria a República, aquele senhor não era formado em Direito.

No caminho, conversaram em francês: “Não existem quase brasileiros que não falem francês”. Sim, mandavam lavar suas roupas em Paris e importavam muitas coisas da França, incluindo os produtos da toalete. Por isso, um pouco de francês os patrões sabiam e alguns até liam revistas e livros importantes, em francês, em inglês, em italiano, em alemão.

Ao chegar à Fazenda São Francisco, a professora recebeu uma escrava particular, de nome Olímpia, e admirou-se de ela sempre dizer “sim, senhora”, mesmo quando não entendia “o português de oito dias” em que a alemã se expressava.

E vinha nestas linhas outra preciosa informação: o escravo era o cartão de crédito do século XIX e ninguém ficava em casa ou saía de casa sem ele. A mão de obra era gratuita, isto é, ao contrário da professora, branca e alemã, os negros africanos trabalhavam de graça.

Havia jornais, já? Sim, mas naquela propriedade eram pouco lidos. Serviam para que um moleque fizesse bandeirolas e com elas espantasse as moscas que teimavam em sobrevoar e pousar sobre os pratos à hora do almoço, uma vez que diversos animais urinavam e defecavam nas proximidades da casa-grande, em cujo porão dormiam também os escravos domésticos.

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A família tinha 12 filhos, sete dos quais a professora deveria educar, ensinando alemão, francês, música, história, geografia, conhecimentos gerais etc.

As filhas mais velhas, Gabriela, Olímpia (xará da escrava) e Emília faziam jus ao tratamento de “dona”. Isto é, todos chamavam-nas de “dona”. Claro, as donas eram elas. A professora era empregada do pai das moças.

O brasileiro médio é conservador e há razões complexas e profundas para seu comportamento, sobretudo político.

Voltaremos ao livro e a este assunto.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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