Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Augusto Nunes Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Memórias do dilúvio no Rio

Um milhão de dólares para Crivella fechar a boca. Estou gastando minha fortuna com ele, pensei antes de adormecer

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 19h48 - Publicado em 15 abr 2019, 16h06

Fernando Gabeira (publicado no Blog do Gabeira)

Um milhão de dólares para Crivella fechar a boca.

Acordei às 7h em Cabaceiras, no sertão da Paraíba. Sol brilhando como sempre. É a cidade com o menor índice de chuvas no Brasil. Malas feitas, começaria minha longa viagem de volta para o Rio.

Antes do café, fui ver os pássaros. Eram os mesmos de sempre. De novo, apenas um papa-sebo, também chamado de sabiá-do-campo. Minha imagem final: a umburana, uma árvore com casca brilhante e sulcos vermelho-escuro.

Continua após a publicidade

Fim de semana intenso, subindo e descendo morro. Visitei o Lajedo do Pai Mateus, um esplêndido conjunto de pedras. Descoberto pelos turistas escandinavos, ajudou a salvar Cabaceiras.

Nos momentos de conexão, ainda tive de responder a jornalistas se nossa campanha tinha oferecido um milhão de dólares para Crivella, em 2008. Nunca vi um milhão de dólares e, assim como Armínio Fraga, jamais compraria votos. Considero a versão um desrespeito aos evangélicos: jamais votariam em mim contra sua consciência.

Cabaceiras foi descoberta pelos cineastas. A cidade, de apenas cinco mil habitantes, foi cenário de duas séries e 33 filmes. Ela se intitula a Roliúde Nordestina. Prefiro chamá-la de cidade luz. Ao contrário de sua homônima francesa, é uma cidade de luz natural.

Continua após a publicidade

Passei várias horas entre as pedras da região. Quando voltei do trabalho, estava exausto, como sempre, e maravilhado com a luz. Antes de dormir, ainda pensei na história do Crivella. Lembrei-me de Bertrand Russel, quando correu um boato de que namorava uma linda jovem. Ele disse: “Não vou contestar logo de cara, só para saborear um pouco essa hipótese”.

Meu último pensamento antes de cair no sono foi este: se tivesse um milhão de dólares, o que faria com ele. Creio que daria para Crivella não votar em mim, e assim seguir minha trajetória de vida como ela é hoje: longe do universo político visceralmente corrompido do Rio.

De novo na estrada para Campina Grande. Chegamos com o restaurante ainda fechado. Havia um banco na porta, usei-o para passar as últimas imagens para o computador e as salvei num HD externo. É sempre bom ter duas versões, num país em que tudo acontece.

Continua após a publicidade

Conexão no aeroporto do Recife. Achei o aeroporto meio sombrio, depois de tantos dias de luz intensa. No celular, já havia algumas mensagens da Defesa Civil: teríamos chuva no Rio. Mesmo assim, é bom voltar. Nos últimos tempos, não digo como Tom Jobim: “minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro”. No máximo, a alma cantarola, discretamente.

Ainda no ar, era possível ver a GloboNews e o estrago que a chuva fazia no Rio. Assim que o avião aterrissou, liguei para Neila, e ela estava presa num carro, com os dois netos. Tentava vir de Copa para Ipanema havia duas horas. Não havia táxis. Dividimos o equipamento; nossa equipe é de apenas dois. Fiquei com as câmeras, e Mauricio foi tentar um táxi no embarque.

Depois de uma hora, lembrei-me do Uber e, surpreendentemente, estava no ar. Um homem mais velho nos disse: evitem o túnel, usem o aterro. O motorista ficou agradecido e disse: “Obrigado, pai”.

Continua após a publicidade

A cidade parecia arrasada. Os carros se deslocavam com dificuldade e em marcha constante para que o motor não morresse. Tentei orientar o motorista pelo instinto. Achei algumas ruas escuras e traiçoeiras . Na entrada do túnel, caiu uma arvore. Meia hora, e a árvore foi movida por um guindaste. Em Ipanema, de novo engarrafados. A Rua Vinicius de Moraes estava cheia de carros buscando a Lagoa inundada.

Pedi ao motorista para dar uma ré, usamos a Joana Angélica para ganhar minha rua. Mas o bloqueio continuava. Os carros na Vinicius fechavam a passagem. Disse para ele: estou a 400 metros de casa, ainda chove e terei de carregar duas malas de câmeras, a mochila com o computador e a mala de roupa. Bem que gostaria de saltar aqui para você se safar, mas não dá.

Desci do carro na chuva e fui até a Vinicius controlar o trânsito. Toureei alguns carros. Outros não davam nem bola. Finalmente, consegui abrir a rua.

Continua após a publicidade

Cheguei em casa depois da meia-noite. Todos bem, felizmente. Estava aceso. Vi um homem com a camisa do Vasco agarrado na cerca do Jardim Botânico. Ia para a Rocinha, parecia calmo. A repórter enfatizava a dificuldade de sua jornada, ele parecia ver tudo com normalidade. Gente forte.

Esperava dormir tranquilo, mas acabei ficando excitado demais com o longo dia. Antes de dormir, sabem quem apareceu na TV? Crivella.

A Ciclovia Tim Maia é segura, desde que não haja desabamentos — disse. Um milhão de dólares para Crivella fechar a boca. Estou gastando minha fortuna com ele, pensei antes de adormecer.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.