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Machado de Assis, o nosso craque na Copa América

Todos os estrangeiros que o leram se encantaram com sua prosa. Ele já foi comparado em grandeza a referências solares das letras mundiais

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 9 jun 2019, 11h22 - Publicado em 9 jun 2019, 11h22

Deonísio da Silva

Ele venceu quando o placar era de 7 x 0 contra ele. Machado era brasileiro, negro, órfão, pobre, epiléptico, gago e sem escola, mas tornou-se o maior escritor brasileiro, sem fugir de dois temas complexos: a abolição, que ainda não nos redimiu; e a república, que ainda não nos democratizou.

Vamos esclarecer a confusão. Heróis não são pessoas como Neymar Jr. São pessoas como Machado de Assis, que está fazendo 180 anos de nascimento e 111 de morte. Ele nasceu em 1839 e morreu em 1908. Que a cabala nos diga o que não sabemos explicar dos números e fiquemos com as obras do talentoso escritor.

Pois uma das mais belas efemérides deste ano é que Joaquim Maria Machado de Assis faz 180 anos em junho, embora as hordas de ágrafos só falem de Paulo Reglus Neves Freire, que não é efeméride de nada.

Pouco a estranhar nesses tempos no terreno minado de lutas ideológicas sem pé nem cabeça, sobretudo num país que removeu os ossos do padre Manuel da Nóbrega, levando-os ignotos nas caçambas que partiam do Morro do Castelo para fazer o Aterro do Flamengo, no Rio.

E hoje ninguém sabe onde foram parar os ossos do padre. O inédito descaso de violar túmulos e o descuido posterior de sequer separar ossos e terra nos impedem de saber onde eles estão. Os administradores fluminenses e cariocas transformaram o famoso sacerdote num sem-túmulo.

É que temos mais no que pensar e nos preocupamos mais com os sem-terra, com os sem-teto, com os sem-nada, mas não nos preocupamos com coisas igualmente essenciais, como, por exemplo, o fato de não termos uma obra completa de nosso maior escritor.

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Se tratamos assim o padre jesuíta e fundador da primeira escola no Brasil e um de nossos primeiros professores, talvez não nos devêssemos espantar com o uso frequente de “ou” em vez de “e” no fogo de palha de nossas célebres polêmicas, que duram menos que a vida breve das borboletas.

Pois que também em muitas instituições dedicadas ao ensino e à cultura o ar está igualmente irrespirável. Reiteremos, porém, que, mais do que gênio, Machado de Assis é oxigênio para o intoxicado ambiente literário brasileiro e ele está completando 180 anos em silêncio, à sorrelfa, observador ardiloso e minucioso, mesmo do além-túmulo, por meio do que deixou publicado ou apenas escrito.

“Nós ainda não temos Prêmio Nobel, mas temos Machado de Assis”, me disse o advogado e empresário Wilson Volpato, meu colega de adolescência, o mesmo que me levara a ler Castro Alves em nossos verdes anos.

Despencando em todas as classificações internacionais que avaliam o ensino — entre 2002 e 2018, o Brasil passou do 35º para o 69º lugar, um dos últimos —, nosso País discute quem vai para o (pa)trono, se José de Anchieta, notável educador parceiro de Nóbrega, ou Paulo Reglus Neves Freire que, embora autor de obra importante, não é digno de atar-lhe as sandálias.

E, além do mais, não é questão de “ou”, é questão de “e”, que em se tratando de escola e de ensino, devemos somar e não dividir o pouco que temos.

Ensino privado ou ensino público, ensino presencial ou ensino à distância, ensino laico ou ensino religioso, ensino escolar ou ensino doméstico etc. — eis as falsas polêmicas habituais. Usemos “e” em vez de “ou”. Precisamos muito de ensino, mas quem precisa ainda mais é quem faz esse tipo de falsa oposição.

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Enquanto isso, nos EUA saiu uma coletânea das histórias curtas de Machado de Assis, saudada por todos os que sabem saborear livros de qualidade, deslumbrados com a riqueza que temos e escondemos no subsolo de nosso grande patrimônio literário.

Todos os estrangeiros que leram Machado se encantaram com sua prosa. Ele já foi comparado em grandeza a referências solares das letras mundiais, como Dostoiévski, Gogol, Tchekov e Kafka. O famoso crítico Harold Bloom falou mais de perto ao próprio coração de Machado, comparando-o a Laurence Sterne, o escritor e clérigo irlandês que o brasileiro admirava. Philip Roth disse que Machado é o nosso Beckett. Antes de todos eles, Stefan Zweig, que apreciava muito a poesia de Camões, disse que O Bruxo do Cosme Velho, como o chamava Drummond, era dos maiores que tinha lido.

No prefácio das The Collected Stories of Machado de Assis, o crítico Michael Wood cita outros parentes literários de Machado, como Henry James, Henry Fielding, Vladimir Nobokov e Ítalo Calvino. Há alguns anos, Susan Sontag, que faleceu em 2004, aos 71 anos,  já tinha dito: “Machado é o maior escritor da América Latina. Por que vocês o esconderam de nós tanto tempo?”

Prezada Susan Sontag, nós o escondemos de nós também.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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