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José Saramago: a partida do escultor das longas frases

“O escritor morreu acompanhado de sua família, despedindo-se de uma forma serena e plácida”, anunciou a Fundação José Saramago nesta sexta-feira. Prêmio Nobel de Literatura em 1998, Prêmio Camões em 1995, o português nascido em 16 de novembro de 1922 escreveu mais de 20 livros antes de completar 87 anos, em 2009. Um deles, “Ensaio […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 15h02 - Publicado em 18 jun 2010, 18h23

“O escritor morreu acompanhado de sua família, despedindo-se de uma forma serena e plácida”, anunciou a Fundação José Saramago nesta sexta-feira. Prêmio Nobel de Literatura em 1998, Prêmio Camões em 1995, o português nascido em 16 de novembro de 1922 escreveu mais de 20 livros antes de completar 87 anos, em 2009. Um deles, “Ensaio sobre a cegueira”, levou a personalíssima obra de José Saramago às telas do cinema. Leia um trecho do livro que inspirou o cineasta brasileiro Fernando Meirelles.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

‘Temos que ver se há por aqui alguma pá ou alguma enxada, seja o que for que possa servir para cavar, disse o médico. Era manhã, tinham trazido com grande esforço o cadáver para a cerca interior, puseram-no no chão, entre o lixo e as folhas mortas das árvores. Agora era preciso enterrá-lo. Só a mulher do médico sabia o estado em que se encontrava o morto, a cara e o crânio rebentados pela descarga, três buracos de balas no pescoço e na região do esterno. Também sabia que em todo o edifício não havia nada com que se pudesse abrir uma cova. Percorrera toda a área que lhes tinha sido destinada e não encontrara mais que uma vara de ferro. Ajudaria, mas não era suficiente.

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E vira, por trás das janelas fechadas do corredor que seguia ao longo da ala reservada aos suspeitos de contágio, mais baixas deste lado da cerca, rostos atemorizados, de pessoas à espera da sua hora, do momento inevitável em que teriam de dizer às outras Ceguei, ou quando, se tivessem tentado ocultar-lhes o sucedido, as denunciasse um gesto errado, um mover de cabeça à procura duma sombra, um tropeção injustificado em quem tem olhos.

Tudo isto também o sabia o médico, a frase que lançara fazia parte do disfarce combinado por ambos, a partir de agora a mulher já poderia dizer, E se pedíssemos aos soldados que nos atirassem cá para dentro uma pá, A ideia é boa, experimentemos, e todos estiveram de acordo, que sim, que era uma boa ideia, só a rapariga dos óculos escuros não pronunciou palavra sobre esta questão de enxada ou pá, todo o seu falar, por enquanto, eram lágrimas e lamentos, A culpa foi minha, chorava ela, e era verdade, não se podia negar, mas também é certo, se isso lhe serve de consolação, que se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala, Será, mas este homem está morto e é preciso enterrá-lo’.

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